Séculos atrás, o astrônomo Galileu Galilei (1564-1642) já atestava que a condição natural dos corpos não é o repouso, mas o movimento — "Eppur si muove!", teria dito ao confirmar a tese do heliocentrismo. Na Terra tal qual no cosmos, os corpos precisam de movimento. Se as atividades físicas forem feitas corretamente, acompanhadas do apoio de um profissional capacitado, elas podem — e devem — trazer múltiplos benefícios.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prática de atividade física permite a prevenção e o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, bem como o controle de doenças cardíacas, diabetes, câncer e depressão.
O Ministério da Saúde produziu em 2022 um relatório com os indicadores de prática de atividade física dos brasileiros entre 2006 e 2021 em todas as capitais. Segundo o relatório, a frequência de adultos que praticam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana aumentou de 30,3% (2009) para 36,7% (2021).
Existe, porém, um outro lado, ao qual toda pessoa está vulnerável: atletas de alto rendimento ou de fim de semana correm risco de lesões.
Segundo o fisioterapeuta esportivo João Paulo Frota, as lesões mais comuns são:
João acrescenta que "o perfil da lesão varia conforme a modalidade praticada". "A lesão de um atleta de futebol não é a mesma que a de um praticante de CrossFit", exemplifica.
Fato é que o consenso entre todos os especialistas ouvidos pelo O POVO é que os principais causadores de lesões são evitáveis: excessos, descuidos, falta de acompanhamento profissional.
Paulo Roberto Fernandes, graduado em educação física pela Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), e especialista em Treinamento Desportivo na Universidade Veiga de Almeida, considera que a falta do acompanhamento de um profissional capacitado durante a realização de uma atividade física aumenta, consideravelmente, o risco de uma lesão.
Isto porque é o profissional quem tem mecanismos para avaliar a condição do paciente de forma a ajustar tempo da atividade, intensidade dos exercícios, força a ser aplicada e recursos e aparelhos que devem ser utilizados.
"Algumas modalidades de atividades físicas exigem uma aptidão maior. Faz-se necessária uma avaliação clínica e física (anamnese), para, também, conhecer os objetivos a serem alcançados", revela.
Outro ponto chave, tanto para evitar lesões, como para obter bom desempenho, conforme Paulo, é o aquecimento. Entre as etapas mais comuns, ele cita:
Ricardo Andrade, 30, atleta amador de CrossFit, é veterano de lesões durante os exercícios. A pior foi no quadril, enquanto realizava um treino conhecido como "sprint" (corrida) de 100 metros: sofreu rompimento parcial e de grau 2 de tendão.
"Senti o estalo na hora, o tendão rompendo parcialmente, parei de imediato e passei a fazer fisioterapia. Continuei fazendo CrossFit e fisioterapia simultaneamente, sendo que o CrossFit de forma adaptada. E acompanhamento três vezes por semana de fisioterapia", diz.
Ricardo pratica atividades físicas desde a infância, passando por tênis, beach tennis, musculação, CrossFit e kitesurfe.
"Quando tive a lesão já tinha quatro anos de CrossFit. Na época do tênis, quando treinava para competição, a gente já fazia treinos de corrida para melhorar a performance. Nunca tive uma lesão na época, e nem em nenhum dos outros esportes, só no CrossFit que tenho com frequência. Não sei se é genética, já tive problema no ombro esquerdo, tendinite no unho e essa lesão no quadril"Ricardo Andrade
Ele também afirma que "de vez em quando faço algum treino sozinho, mas, na maioria das vezes, é acompanhamento em grupo". "Sempre aqueço a musculatura que vou utilizar no treino. Procuro fazer um alongamento, e principalmente, aquecer e movimentar com uma carga menor o que vou utilizar no treino. Com a carga menor faço um aquecimento em torno de 5 a 10 minutos".
Riscos de lesões em profissionais e em amadores
O ortopedista cirurgião de joelho do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Eduardo Vasconcelos, aponta que pacientes que costumam praticar atividade física que demanda muito das articulações, como futebol ou CrossFit, têm risco maior de enfrentar uma artrose precoce, ou seja, o desgaste completo das articulações.
"É comum, e frequente, ver atletas profissionais, quando chegam na fase de aposentadoria, serem acometidos com uma artrose bem mais cedo que a maioria da população, justamente por uma rotina de treinos intensos, levando cargas mais elevadas em busca de melhores resultados e isso acaba exigindo muito das articulações", conta.
De acordo com Eduardo, a melhor maneira de prevenir qualquer desgaste é manter o fortalecimento adequado da musculatura e executar de maneira correta todos os movimentos.
"O fortalecimento muscular vai de acordo com o esporte que você vai praticar. Se for futebol, tem que trabalhar bem o membro inferior, o CrossFit do mesmo jeito, e isso vai ajudar na prevenção das lesões. Essa é a principal fórmula para prevenir quaisquer lesões, independentemente da faixa etária", ensina.
Pessoas sedentárias, que não têm o hábito de fazer atividade regularmente, e resolvem se expor a exercícios mais intensos são comumente acometidas com alguma lesão muscular ou de tendão, alerta Eduardo. O recomendado é que a pessoa inicie os exercícios de maneira mais leve.
Há seis anos, o comerciante Erinaldo Luz, 44, pratica corrida de forma amadora. A dor veio em meio a uma competição. O atleta amador, então, fez exames e foi diagnosticada uma lesão no trato iliotibial (lateral do joelho), a chamada síndrome do corredor.
"Estou mais cuidadoso. Agora tenho orientação de uma assessoria de corrida que me envia planilhas, e, por recomendação de um fisioterapeuta, estou dando ênfase ao fortalecimento muscular", ressalta Erinaldo.
Já Randal Glauber pratica triatlo desde 2017. Nos preparativos para uma prova, ele teve um estiramento na panturrilha esquerda, de grau 1, sem rotura de fibras.
"Senti um desconforto durante um treino de estímulos em alta intensidade há 60 dias da minha prova alvo do ano, a IronMan Fortaleza. Mesmo sentindo o desconforto, realizei o treino até o final. Penso que isso agravou a lesão"
Assim que Randal sentiu a dor, o treinador determinou a diminuição do volume de treinos e recomendou procurar um especialista.
O praticante afirma que embora tenha seguido ciclo adequado de treinamento para natação, ciclismo e corrida, não conseguiu incluir o fortalecimento muscular em sua rotina de exercícios. "Após o tratamento decidi nunca mais abdicar dos treinos de força", atesta.
Sonho interrompido
Ex-atleta das categorias de base de diversos clubes, Rodrigo Vieira, 22, sofreu uma lesão grave em 2019: um rompimento de ligamento cruzado e menisco. Ele era jogador desde os 7 anos.
"Não foi minha primeira lesão, mas foi minha primeira lesão muito grave. Tive outra lesão quando tinha 13 anos de idade, mas foi muscular, em questão de meses voltei a jogar. Desta vez, demorei 11 meses, tentei (retomar a carreira), e não consegui", revela.
No momento da contusão, ele aguardava os trâmites para jogar em um clube alemão, o SV Meppen.
Com passagens por Grêmio e Corinthians, o jovem tentou reiniciar a carreira nas categorias de base do Ceará. O joelho, porém, voltou a doer e ele acabou dispensado.
"Mudou completamente a minha vida. Nunca me vi fazendo outra coisa além de futebol. Me apeguei muito a Deus. Hoje me conformei, e vi que tinha que tomar uma decisão na vida, mas ainda tenho muita vontade de voltar a jogar", confessa.
O diretor de serviços médicos do Fortaleza, Cláudio Maurício, aponta dois cuidados essenciais para atletas profissionais, amadores e iniciantes. Segundo ele, o primeiro passo é atestar as condições radiológicas e pulmonares, fazer exames laboratoriais para checar alterações metabólicas e avaliar a questão etária, para se prevenir de condições limitantes, como artrose ou histórico prévio de doenças do coração.
"O segundo (ponto) é ter em mente qual atividade irá realizar. O ideal é ter sempre um profissional orientando a carga de atividade e o modelo de atividade que vai realizar e, de acordo com essa atividade, programar os treinos".
Ainda conforme Cláudio, atletas profissionais têm treinos produzidos por especialistas para minimizar e prevenir o risco de lesões.
"Está relacionado ao trabalho preventivo de força e os marcadores bioquímicos e a termografia para ver o nível de como está a sobrecarga daquela área muscular, para que a gente possa dosar carga e fazer o planejamento de treinamento; em paralelo, e temos as lesões articulares, que são menos preveníveis, mas realizamos um reforço muscular naquelas áreas de impacto, como joelho, tornozelo."
"Os atletas profissionais começaram como amadores. Eles foram se adaptando. Anualmente, são realizados exames de condicionamento físico e cardiológico para saber em que condição ele está, e, regularmente, a programação de atividade de cada um deles. Passando pela fisiologia, preparador físico, pela fisioterapia", resume.
No Ceará, 231 atletas foram atendidos em 2022
A Secretaria do Esporte e Juventude (Sejuv), em parceria com o Hospital Geral de Fortaleza, atendeu 231 atletas no ano de 2022, no projeto "Sesporte HGF Medicina Esportiva". O projeto tem como objetivo o atendimento direcionado aos atletas e paratletas, tanto profissionais quanto amadores, fortalecendo a política de fomento do esporte no Estado.
Os atletas são atendidos por uma equipe multidisciplinar que conta com médico ortopedista especialista em traumatologia do esporte, médico do esporte, médico ginecologista, residentes de ortopedia e traumatologia, internos, acadêmicos de fisioterapia, educação física, nutrição, psicologia e medicina.
Para participar, as federações e entidades esportivas encaminham ofício e planilha de cadastro dos atletas, conforme modelos em anexo, para o e-mail: medicina.esportiva@esporte.ce.gov.br. Os cadastros são verificados e enviados ao HGF para marcação do dia e confirmação da consulta por telefone.