O que você pensa em tomar quando sente dor de cabeça ou febre? Certamente, um dos medicamentos que vêm à mente da maioria dos brasileiros em uma situação como essa é a dipirona. Um dos remédios mais vendidos no Brasil, contudo, é proibido nos Estados Unidos e em parte da União Europeia.
A dipirona é classificada como um anti-inflamatório não esteroidal (Aine), sendo utilizado como analgésico, antipirético (antitérmico) e anti-inflamatório. A medicação é comercializada no Brasil e no mundo há mais de 100 anos. Ela foi criada por uma farmacêutica alemã em 1920.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram vendidas mais de 215 milhões de unidades no Brasil em 2022. Além do próprio nome "dipirona", a substância também é apresentada em outros medicamentos como Novalgina e Dorflex, da Sanofi, e a Neosaldina, da Hypera Pharma, no Brasil.
O famacêutico Tiago Sampaio, doutor em Farmacologia e professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica como a substância age no organismo para desempenhar suas funções mais indicadas.
"A dipirona inibe a produção de dois mediadores: as prostanglandinas e os leucotrienos. As prostanglandinas são responsáveis, em parte, pela sinalização da inflamação e dor; já os leucotrienos sinalizam o aumento da temperatura corporal e, como resultado, há a febre", pormenoriza.
Arlandia Nobre, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Ceará (CRF-CE) e doutora em Farmacologia, frisa que o uso de medicamentos, mesmo os que são isentos de prescrição (MIPs) como a dipirona, devem ser orientados pelo profissional da saúde.
"As pessoas acham que podem usar de forma indiscriminada. E aí acaba se percebendo problemas adversos mais graves", afirma. Pessoas com hipersensibilidade não podem fazer uso do medicamento.
"Se tomar e sentir coceira, vermelhidão, algumas manchas na pele, edema pálpebral, labial, coceira na garganta, são sinais que chamam atenção para uma eventual alergia. E aí eu não devo utilizar", pontua.
Nesses casos, é importante que o paciente se atente ao princípio ativo da medicação e não apenas o nome da marca.
Tiago Sampaio acrescenta que, no geral, os anti-inflamatórios "são dotados de risco de gastrite e úlcera gástrica, insuficiência renal e Lesão hepática (lesão do fígado), sobretudo quando usado em altas doses ou contínuo".
Algumas pessoas podem apresentar queda repentina da pressão arterial. Mas, dentre os efeitos adversos, o mais grave é o risco de pancitopenia/agranulocitose, que são considerados raros.
Ele detalha quais são os efeitos adversos raros que podem acontecer mesmo em pessoas que fazem uso previamente de dipirona sem apresentar intercorrências.
São eles: anemia aplástica ou pancitopenia (doença onde a medula óssea produz em quantidade insuficiente os glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas), leucopenia e agranulocitose (diminuição do número de glóbulos brancos no sangue, em consequência de um distúrbio na medula óssea) e trombocitopenia (diminuição no número de plaquetas).
"Esta reação [trombocitopenia] é grave e, apesar de rara, em muitos casos, é fatal, podendo causar hemorragias, infecções, falta de ar, infarto e AVC isquêmico", diz.
Os profissionais frisam que nenhum medicamento é totalmente livre de efeitos adversos, nem mesmo aqueles provenientes de plantas medicinais.
Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa) os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) são importantes como "opções acessíveis para o alívio de sintomas leves e autolimitados".
A entidade alerta que as instruções presentes nos rótulos dos medicamentos desse tipo devem ser seguidas com rigor e as doses devem ser respeitadas, evitando o uso excessivo do produto.
A Food and Drug Administration (FDA) — agência regulatória dos Estados Unidos, semelhante à Anvisa no Brasil — recomendou a retirada da dipirona do mercado americano na década de 1970. A justificativa para a proibição seria a relação feita entre o uso da medicação e a agranulocitose.
Segundo o farmacêutico Tiago Sampaio, doutor em Farmacologia e professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), as restrições eram, "até então, prudentes visto a necessidade de estudos que apontassem a causa de pancitopenia, anemia aplástica e fenômenos relacionados".
"Porém, atualmente, na década de 2020, a globalização inclusive da ciência mostra que a dipirona é um fármaco que apresenta riscos mais baixos que muitos outros que existem no mercado, permanecendo a proibição principalmente por fatores históricos e culturais", afirma Tiago.
Segundo ele, "daí justamente que vem grande parte da política de proibição". "Considerando que um medicamento foi proibido em um determinado país há mais de 40 anos por desconfianças na sua segurança, seria uma estratégia arriscada propor a retomada do seu uso e venda, o que poderia gerar prejuízos para as indústrias ao fabricar este produto", contextualiza.
O farmacêutico ressalta que a dipirona "apresenta nos estudos epidemiológicos segurança maior que alguns fármacos como o diclofenaco ou paracetamol".
Segundo Arlandia Nobre, presidente do CRF-CE, essa é uma questão também atrelada à indústria farmacêutica.
"Para que o medicamento seja disponibilizado em determinado território, ele precisa da autorização das agências regulamentadoras. No caso do Brasil, pela Anvisa, no caso dos Estados Unidos, pelo FDA. Então, o que existe, muitas vezes, é uma preferência pelos medicamentos que são produzidos, desenvolvidos por aquele país", analisa.
"O paracetamol foi desenvolvido nos Estados Unidos, o que explica a preferência pelo paracetamol lá. O registro sanitário é uma prerrogativa da indústria que busca o registro no órgão vinculado aquele país", diz ela.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) destaca que não existe no momento nenhuma discussão em andamento quanto à restrição do uso ou proibição da dipirona no País.
Conforme a Anvisa, alguns países retiraram o medicamento do mercado devido ao risco de agranulocitose. "No entanto, o produto permanece com registro válido no Brasil. Conforme a bula do medicamento de referência Novalgina®, a frequência da reação de agranulocitose é rara", afirma o órgão.
A agência realizou, em 2001, o Painel Internacional de Avaliação da Segurança da Dipirona com o objetivo de promover o amplo esclarecimento sobre os aspectos de segurança da dipirona.
O evento contou com a participação de cientistas nacionais e estrangeiros, além de ouvintes representando diversas instituições, como o Ministério Público.
Conforme o relatório final, concluiu-se que “há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável e que os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado”.
Segundo a Anvisa, desde a realização do painel, não foram identificados novos riscos ou emitidos novos alertas de segurança relacionados à dipirona.
- Para que serve
Ação antipirética (febre) e analgésica (dor), sendo indicada para dores de cabeça, dores musculares, cólica renal, cólica menstrual, pós-operatórias e de outras origens
- Como tomar
A dipirona pode ser comprada na forma de xarope, gotas, supositórios ou comprimidos. As doses devem ser administradas conforme orientação médica até 4 vezes ao dia.
- Ação no organismo
O tempo médio de espera para se obter seus efeitos é de 30 a 60 minutos, o que tem duração de aproximadamente 4 horas.
- Quem não pode tomar?
Medicamento não deve ser administrado em pacientes:
• com hipersensibilidade à dipirona ou a qualquer um dos componentes da formulação incluindo, por exemplo, experiência prévia de agranulocitose com uma destas substâncias;
• com função da medula óssea prejudicada (ex.: após tratamento citostático) ou doenças do sistema hematopoiético;
• que tenham desenvolvido broncoespasmo ou outras reações anafilactoides (ex.: urticária, rinite, angioedema) com analgésicos tais como salicilatos, paracetamol, diclofenaco, ibuprofeno, indometacina, naproxeno;
• com porfiria hepática aguda intermitente (risco de indução de crises de porfiria);
• com deficiência congênita da glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) (risco de hemólise);
• gravidez e lactação (sem orientação médica).
O medicamento também é contraindicado para menores de três meses de idade ou pesando menos de 5 kg.
- Quais os possíveis efeitos adversos?
• Reação alérgica;
• Desconforto abdominal;
• Queda de pressão;
• Lesão hepática induzida por medicamento;
• Agranulocitose (muito rara);
• Pancitopenia (muito rara).