Logo O POVO+
Consumo de açúcar: a linha tênue entre o desejo e a compulsão
Ciência e Saúde

Consumo de açúcar: a linha tênue entre o desejo e a compulsão

l CAUTELA NA ALIMENTAÇÃO l Não há evidência científica para sustentar hipótese do vício em açúcar, porém especialistas apontam como a substância está relacionada a questões nerológicas. Entenda quais são os impactos do consumo de açúcar em excesso para a saúde
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Délhi Gadelha resolvou diminuir o consumo de açúcar há oito anos. Hoje, mantém estilo de vida saudável (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Délhi Gadelha resolvou diminuir o consumo de açúcar há oito anos. Hoje, mantém estilo de vida saudável

Presente em grande parte dos pratos, o açúcar — termo genérico para carboidratos cristalizados comestíveis, principalmente a sacarose — é um dos ingredientes que não podem faltar na mesa de muitos brasileiros. Comumente utilizado para adocicar cafés e sucos ou compor receitas, quando consumido em excesso o açúcar pode acarretar sérios danos à saúde, inclusive a compulsão por doces.

Para além das diabetes, o consumo desenfreado de açúcar pode causar problemas como resistência à insulina, gordura no fígado, aumento de acne, desequilíbrio da microbiota intestinal, candidíase de repetição, aumento de gordura corporal e peso indesejado.

Segundo a nutricionista e mestre em Nutrição e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Jamile Tahim, é importante salientar, no entanto, que ainda não há um consenso na comunidade científica sobre vício em comida, inclusive em açúcar.

“O que ocorre é que os indivíduos passam a buscar frequentemente as sensações de prazer por meio do consumo de itens açucarados, geralmente preparações saborosas que têm um valor social, cultural e afetivo”, afirma.

Desta forma, ela explica que diferentemente do vício — que se configura como um transtorno de saúde mental induzido por uma substância que inclui padrões de comportamento de dependência e abstinência —, no caso do açúcar as pessoas podem vir a desenvolver um padrão de consumo semelhante, mas é incomum que indivíduos ajam de forma periculosa pela falta ou redução do consumo da sacarose.

“Não se pode, no entanto, equiparar o termo 'vício em açúcar' ao vício em drogas, como popularmente as pessoas questionam, por não existir evidência científica que sustente a hipótese de vício em açúcar por humanos”, aponta a nutricionista.

Sobre a comparação do açúcar com drogas como o tabaco, a professora do departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Ceará (UFC), Andréa Cardoso, elucida que o cigarro contém nicotina — um alcalóide do grupo orgânico das aminas. Ela se caracteriza pelo amargor e pela liberação de agentes tóxicos na combustão durante a queima do cigarro. A sacarose, por sua vez, é um glicídio constituído de duas moléculas, uma glicose, produzida no processo de fotossíntese na planta, e uma frutose.

“A nicotina é extraída das folhas do tabaco, e o açúcar é extraído do colmo da cana-de açúcar e da raiz beterraba açucareira. Contudo, assim como o tabaco, o açúcar provoca dependência. No caso do açúcar, ela ocorre uma vez que sua ingestão ativa receptores na língua, que enviam sinais para o cérebro, ativando vias de recompensa, liberando hormônios de bem-estar, como é o caso da dopamina”, descreve.

Nesse momento, por causa do elevado nível de glicose no sangue, o organismo libera grande quantidade de insulina e o nível de glicose no sangue cai, ativando assim a fome e o desejo por mais açúcar. “É essa sensação de bem-estar que pode levar à dependência e, consequentemente, ao consumo em excesso de açúcar”, traduz a professora.

O médico nutrólogo e professor de Medicina da UFC, Paulo Vasconcelos, detalha que existem fatores que podem contribuir para o consumo excessivo de açúcar. Dentre eles, estão determinados medicamentos que podem estar associados a mudanças nos padrões alimentares e que podem desencadear um aumento na busca por açúcar.

“Isso inclui corticosteróides, como a prednisona, alguns antidepressivos, alguns antipsicóticos e, surpreendentemente, alguns medicamentos para diabetes, como a insulina”, argumenta o médico.

Para a Psicologia, a compulsão por açúcar é um fenômeno complexo, influenciado por diversas questões psicológicas e emocionais, como a busca por conforto emocional, recompensa e prazer, além de desafios relacionados à autoimagem e autoestima, e até mesmo transtornos alimentares. É o que explica a psicóloga Karla Ito,. 

“Frequentemente, em momentos de ansiedade, estresse ou depressão, muitos buscam no açúcar um refúgio temporário, uma forma de melhorar o humor. Alimentos ricos em açúcar liberam neurotransmissores, como a dopamina, gerando uma fugaz sensação de bem-estar. Questões de autoimagem também têm um papel crucial. Indivíduos com baixa autoestima podem recorrer ao consumo de doces como um mecanismo de enfrentamento para seus sentimentos negativos”, diz.

Além disso, ela ressalta que essa busca desenfreada pelo consumo de açúcar frequentemente se entrelaça com transtornos alimentares, refletindo uma relação complexa e muitas vezes problemática com a comida.

O que você achou desse conteúdo?