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Síndrome da floresta vazia o silêncio que preocupa no Aratanha
Ciência e Saúde

Síndrome da floresta vazia o silêncio que preocupa no Aratanha

| Natureza | A Serra da Aratanha é um dos exemplos mais drásticos do que boa parte das florestas cearenses (e brasileiras) têm sofrido. Falta de fauna, causada por humanos, pode acabar até com a flora dos locais
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Serra da Aratanha (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Serra da Aratanha

Os passos dos humanos amassam folhas e quebram galhos. Afastando as plantas com as mãos ou agachando-se para desviar delas, caminhamos minutos a fio ao som das cigarras. E só. Nada de galhos quebrados ao longe com os passos de mamíferos, nenhuma cobra fugindo da trilha, nem lagartinhos balançando cabeças atentas. Não vimos ou ouvimos macacos pulando de lá para cá, nem ensurdecemos com incontáveis cantos de pássaros. A Serra da Aratanha silencia em pedido de socorro.

Apesar da diversidade de flora, recheada de bromélias, orquídeas e helicônias, a serra sofre com a ausência de fauna. Não tem bicho. Essa condição é chamada de síndrome da floresta vazia, com dois sintomas principais: o silêncio e o apodrecimento de frutos no chão. Os seres humanos são os responsáveis pelo processo, já que a defaunação ocorre pela degradação do habitat e pela caça e tráfico de espécies. 

Neste santuário silencioso, há diversidade, espaço, comida e abrigo para todos, mas as frutas apodrecem no chão porque não há quem as coma. A energia desprendida pelas plantas para criar uma proteção polposa em torno de sementes, a fim de atrair os bichinhos que, então, vão dispersarem futuras árvores, é perdida. No universo sem pássaros, mamíferos, répteis e anfíbios, sobram larvas e insetos. As cigarras gritam, sem predadores ocupados em comê-las.

Caso ela continue assim, é provável que o ecossistema entre em colapso e diversas espécies de flora desapareçam pela ausência de dispersores. "Os trópicos são o que são em termos de recursos graças à variabilidade e à riqueza de espécies. Mexer nesse componente importante de um ecossistema pode o abalar ao nível que não volte a se equilibrar", explica o biólogo Fábio Nunes, gerente do projeto Periquito Cara-Suja na organização não governamental (ONG) Aquasis.

Desde 2022, a Aquasis está reintroduzindo o periquito cara-suja (Pyrrhura griseipectus) na Aratanha como um primeiro passo de recuperação da fauna serrana. Transportados do Baturité até a Aratanha, 34 caras-sujas já foram soltos após climatização em recinto construído pela organização no sítio Espírito Santo, propriedade privada no topo da serra. Apesar de a maioria das aves introduzidas serem de vida livre, também houve a liberação de caras-sujas apreendidos em operações policiais. Atualmente, três deles seguem no recinto, todos resgatados do tráfico de animais silvestres.

Além de exclusivos da região Nordeste e ameaçados de extinção, os periquitos cara-suja são ótimos dispersores de sementes. No entanto, somente eles não conseguem resgatar a Aratanha. O objetivo da Aquasis, diz Fábio, será introduzir mais oito pássaros na região, além de mamíferos como a cutia (Dasyprocta leporina). O quando e o como dependem de vários fatores, especialmente da aprovação de projetos de reintrodução e captação de recursos para tal. 

*A repórter viajou a convite da Aquasis

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