O intestino humano tem um papel fundamental na manutenção do corpo, já que as células presentes no órgão são responsáveis por absorver a água e os nutrientes do que comemos. No entanto, alguns vírus e bactérias podem perturbar o funcionamento desse sistema, causando as doenças diarreicas agudas (DDA).
Segundo o Ministério da Saúde (MS), a DDA é caracterizada por, no mínimo, três episódios de diarreia aguda em 24 horas, persistindo por até 14 dias. Sintomas como náusea, vômito, febre e dor abdominal podem acompanhar o quadro.
O coloproctologista Wendel Arruda explica que as células do intestino atuam como bombas de água, absorvendo o líquido das paredes do intestino para o resto do corpo. Os vírus e bactérias causadores das DDA inflamam a região.
“O patógeno invade e começa a destruir o mecanismo de ação dessas células. Acaba que a célula começa a perder água, o bolo fecal fica muito líquido ou pastoso e ele desce em formato de diarreia”, diz.
É devido a essa perda considerável de água pelas fezes que é possível entrar em um quadro de desidratação. Idosos e crianças devem receber atenção especial. “Infecções tendem a ser mais graves naqueles que são muito jovens ou muito idosos, porque eles têm uma menor capacidade de defesa”, afirma o infectologista Keny Colares.
O médico explica que doenças crônicas frequentemente diagnosticadas em idosos, como diabetes e hipertensão, podem afetar o combate às infecções. Já as crianças, pela pouca idade, têm menos anticorpos para lidar com os patógenos. Se a diarreia for constante e acompanhada de vômitos, impossibilitando a reidratação oral ou a alimentação, a orientação é buscar uma unidade de saúde.
Os vírus e bactérias chegam ao intestino principalmente por meio de água não tratada ou alimentos contaminados. O Ministério da Saúde lista o consumo de leite in natura (sem ferver ou pasteurizar) e derivados, de produtos cárneos, pescados e mariscos crus ou malcozidos e de frutas e hortaliças sem higienização adequada como fatores de risco.
A falta de higiene pessoal também pode ser um risco para contaminação pelos patógenos causadores das DDA. “As pessoas devem reforçar a higiene das mãos ao manipular os alimentos, e especialmente ao sair do banheiro, para evitar transmitir essas infecções”, alerta Keny.
A DDA é um quadro de notificação compulsória na saúde pública, o que torna obrigatório o acompanhamento e registro dos casos em todo o País. Só no ano passado, o Ceará registrou 236.686 casos da doença, sendo 21.526 deles apenas em Fortaleza, de acordo com a Planilha de Notificação Semanal da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
Do início de 2024 a 10 de fevereiro, 38.058 casos já foram notificados no Ceará. Os meses chuvosos, de fevereiro a maio, são mais propícios para contaminação devido a alta umidade, acúmulo de água e lixo nas ruas.
2022: 225.417
2023: 236.686
2024 (até 10 de fevereiro): 38.058
Fonte: Secretaria da Saúde do Ceará
Cólicas abdominais;
Dor abdominal;
Febre;
Sangue ou muco nas fezes;
Náusea;
Vômitos.
Ingestão de água sem tratamento adequado;
Consumo de alimentos sem conhecimento da procedência, do preparo e armazenamento;
Consumo de leite in natura (sem ferver ou pasteurizar) e derivados;
Consumo de produtos cárneos e pescados e mariscos crus ou malcozidos;
Consumo de frutas e hortaliças sem higienização adequada;
Viagem a locais em que as condições de saneamento e de higiene sejam precárias;
Falta de higiene pessoal.
Fonte: Ministério da Saúde
Para evitar a contaminação por vírus e bactérias que causam as Doenças Diarreicas Agudas (DDA), é importante manter uma boa higiene das mãos e dos alimentos, bem como beber água tratada. Fazer isso se torna mais difícil para a parte da população que não tem saneamento básico adequado, o que torna ela mais vulnerável a infecções gastrointestinais.
“Você ter um tratamento adequado dessa água para fazer uso nas atividades diárias e a coleta adequada desses dejetos por meio do esgoto é essencial para garantir que essas doenças não venham a estar no dia a dia da população. O que normalmente acontece com populações mais vulneráveis, em áreas onde não tem infraestrutura”, afirma o diretor-presidente da Ambiental Ceará, André Facó.
A empresa é responsável pela ampliação, operação e manutenção do sistema de esgotamento sanitário em 24 municípios das regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri por meio de uma Parceria Público-Privada firmada com a Cagece.
André lembra ainda que as DDA não são as únicas doenças associadas à falta de saneamento básico. Leptospirose, cólera, hepatite, dengue, zika e chikungunya são outras enfermidades relacionadas à água parada e contato com dejetos não tratados. Até mesmo doenças respiratórias, como a Covid-19, podem ter a disseminação agravada pela falta de higiene das mãos.
Conforme o Atlas de Saneamento Básico, lançado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021, as Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) foram responsáveis por cerca de 0,9% de todos os óbitos ocorridos no Brasil entre 2008 e 2019. Doença de Chagas, diarreias e disenteria foram as principais causas de morte.
O tratamento das doenças diarreicas, que consiste em reidratação oral e boa alimentação, também é prejudicado pelas condições precárias de saneamento, já que o acesso à água potável não é universalizado.
No Ceará, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, a rede geral de distribuição de água é a forma principal de abastecimento de água para 78,8% da população. Cerca de 40,1% da população mora em domicílios conectados à rede de coleta de esgoto, enquanto quase 60% dos cearenses ainda não têm acesso ao serviço. Casas sem banheiros ou sanitários são residências de mais de 93 mil pessoas no Estado.
“Não existe infraestrutura mais essencial para proteger a saúde da população do que ter saneamento. Não tem país que se desenvolveu sem ter essa infraestrutura”, afirma André.
Médico sanitarista, Álvaro Madeira Neto concorda que o saneamento deve ser a prioridade dos gestores públicos. “A população precisa buscar e exigir que tenha saneamento básico. O acesso à água potável também deve ser um dos principais pontos de preocupação dos gestores”, afirma.
A maior parte dos casos de diarreia são agudos e não duram mais de 14 dias. Caso o quadro se prolongue ou aconteça de forma frequente, é preciso investigar. Há doenças que causam diarreias não infecciosas — sem envolver bactérias ou vírus. Problemas gastrointestinais podem ter a diarreia como sintoma e merecem atenção especializada.
Para o coloproctologista Wendel Arruda, quando a diarreia se repete diversas vezes, se tornando um quadro frequente no dia a dia da pessoa, já é sinal de que um médico especialista precisa ser consultado. O sangue nas fezes também é um ponto de alerta.
Perda de peso, anemia, e sintomas de desidratação, como boca e pele seca e desejo insaciável por água, são outros indícios de um quadro mais sério. Esse cenário pode ser causado por doenças diversas.
“Podem ter várias causas, que variam desde hormonais, como problemas na tireóide, até alterações na vesícula biliar e no pâncreas”, explica o médico. Também podem ocorrer inflamações no intestino que causam a diarreia. A colite ulcerativa e a doença de Crohn são algumas delas.
Outro quadro que tem se tornado cada vez mais comum é a Síndrome do Intestino Irritável (SII). “É uma das causas de diarreia mais comuns do mundo. O intestino fica tão sensível que reage a mudanças de alimentação e humor. Pode causar prisão de ventre também e é mais comum em mulheres”, afirma.