Logo O POVO+
Crianças já podem ter "doenças de adulto"
Ciência e Saúde

Crianças já podem ter "doenças de adulto"

Edição Impressa
Tipo Notícia

O impacto a longo prazo de mais crianças com excesso de peso será em cima de um sistema de saúde que precisará suprir demandas que poderiam nem existir. Hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, que têm como principais causas os maus hábitos alimentares, são os maiores fatores de risco para a Saúde atualmente no Brasil. É importante cuidar, hoje, pensando nos adultos de amanhã, mas já constatando um aumento das "doenças de adulto" na trajetória infantil.

"Vemos hoje o risco maior de diabetes e hipertensão já nas crianças, a dificuldade de concentração - que repercute no aprendizado -, impacto na parte respiratória, muitas têm apnéia; vemos também a parte de ortopedia, problemas com tornozelo e joelho, o que cria dificuldade para os exercícios", explica a pediatra Vanuza Chagas. Ela destaca outras questões de saúde das crianças que já têm relação com a obesidade, como puberdade precoce e problemas renais.

Os cuidados com a alimentação devem começar ainda na gestação, mas principalmente nos primeiros anos de vida. De acordo Vanuza, o foco para criação de hábitos saudáveis à criança na primeira infância - hoje tendo como base os primeiros mil dias de vida - começa a considerar os 2.200 dias de vida, chegando até os 5 anos. "Porque é uma janela de oportunidades muito valiosa para essa construção", explica.

A nutricionista Rochele Riquet detalha que é ainda na vida fetal que o tecido adiposo, onde predominam as células adiposas, que armazenam gordura, é formado, entre o terceiro e o quinto mês de gestação. "O desenvolvimento da adiposidade nesse período é determinante para a composição corporal do adulto. É na fase da infância que as características do tecido adiposo do adulto estão sendo formadas e configuradas", descreve.

Elevação dos níveis de triglicerídeos (tipo de gordura que serve como reserva de energia) e do colesterol (gordura usada para produção de células e alguns hormônios) são as primeiras consequências na saúde de crianças consideradas obesas. "Há informações também de alterações ortopédicas, por causa do peso. Isso pode afetar até a forma de andar, a sociabilidade e o estado emocional dessas crianças", reforça a nutricionista.

Como em uma bola de neve, o problema do excesso de peso pode resvalar e se acumular em diversas outras questões do bem-estar infantil. Quando considera a questão psicológica, Rochelle afirma que a condição pode deixar a criança mais frágil, torná-la alvo de bullying, podendo gerar outros transtornos. "Pode gerar, por exemplo, compulsão mais na frente, na adolescência. A obesidade pode se transformar, por exemplo, em neofobia, que é o medo de comer... É alarmante
e preocupante."

Um dos pesquisadores atuantes no estudo da Fiocruz que revelou o crescimento da estatura e da obesidade entre crianças de 3 a 10 anos no Brasil, Gustavo Velasquez Melendez destaca que a obesidade é um problema coletivo, do meio ambiente. Porque deriva de questões que não dependem do indivíduo: custo dos alimentos, disponibilidade, comercialização, processo de venda, aquisição e até de desperdício.

"O que fizemos foi apenas caracterizar uma situação. É um incremento na estatura e obesidade potencialmente crescendo, e já há muitos estudos que dizem como prevenir isso. Mas todo esse processo interfere. A propaganda, o marketing de alimentos que não são saudáveis, que duram mais tempo e são mais baratos, visando o lucro",
continua Gustavo.

Ele ressalta ainda a importância da participação social nas políticas públicas de saúde. "É a presença da comunidade nas decisões de como deve ser, como a sociedade deve influenciar no seu bem-estar, por meio das ações políticas, de seus representantes. Nas decisões de como buscar a segurança alimentar, que é a disponibilidade de alimentos de qualidade para todas as pessoas, independente da condição", reforça o pesquisador e doutor em
Saúde Pública.

O que você achou desse conteúdo?