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Ceará é destaque nacional em programa contra o consumo de álcool por menores
Ciência e Saúde

Ceará é destaque nacional em programa contra o consumo de álcool por menores

Iniciativa busca informar sobre os riscos do consumo precoce de bebidas alcoólicas e já atingiu mais de 300 mil cearenses
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Projeto celebrou um milhão de jovens atendidos com evento em Brasília (Foto: Divulgação/Na Real Brasil)
Foto: Divulgação/Na Real Brasil Projeto celebrou um milhão de jovens atendidos com evento em Brasília

O Ceará é o estado brasileiro com maior número de jovens alcançados pelo programa Na Real, que alerta adolescentes entre 12 e 17 anos sobre os riscos de consumir bebidas alcoólicas antes da maioridade. Em cinco anos de atuação em solo cearense, a iniciativa já atingiu mais de 362 mil estudantes de instituições públicas e privadas na Terra da Luz.

Realizado desde 2019 pelo instituto Aliança em parceria com a fabricante de bebidas Diageo, o projeto escolheu o Ceará como palco das primeiras intervenções com jovens sobre os riscos de saúde e socioemocionais do álcool.

À época, o Estado que detinha o maior percentual de estudantes matriculados no ensino médio do País contou também com uma estreita relação com o instituto, que já participara de ações voltadas à prevenção de violência.

A ex-governadora do Ceará, Izolda Cela, lembra que o projeto foi prontamente aceito pela então gestão, que além da formação acadêmica, propunha atividades que acrescentassem na construção de cidadãos nas escolas.

“De partida já achei importante o tema porque nós precisamos nos comprometer com aquilo que é importante no processo de formação dos jovens. Não adianta a gente ficar olhando só para português e matemática e os jovens na vida e na sociedade terem lacunas e situação de descaminhos”, conta Izolda, que à época já havia deixado a titularidade da Secretaria da Educação (Seduc) para atuar como vice-governadora.

 

 

De início o projeto adentrou às escolas através de peças teatrais interativas e curta-metragens (que também podem ser acessados online), metodologia padrão adotada também em outros locais. Com alto engajamento dos estudantes após as apresentações nas primeiras escolas, o programa logo passou a ser recomendado para mais unidades de ensino e ganhou maior capilaridade pelo Estado.

Segundo dados divulgados pelo Na Real, 85% dos adolescentes que assistiram ao curta-metragem online e 75% dos que assistiram à peça de teatro confirmaram mudança favorável de atitude.

A implementação teve tamanho sucesso que hoje o Na Real está integrado ao currículo das escolas estaduais de ensino médio, através de disciplina eletiva voltada para a formação cidadã. Junto a ele, temas como responsabilidade financeira, direitos e deveres da vida em sociedade são apresentados aos alunos.

“A gente sai [da escola] e o programa fica lá, permanente. Não preciso voltar com o teatro, não preciso voltar com o curta metragem. Os meninos estão lá, tendo uma disciplina que vai durante seis meses percorrer o tema com eles”, pontua a coordenadora do Na Real e fundadora do Instituto Aliança, Neylar Vilar.

O que é o Na Real?

Apesar de chegar ao Brasil em 2019, o Na Real tem raízes em solo britânico, onde foi criado em 2009 pela Collingwood Learning, organização voltada à consultoria educacional. Sob o nome “Smashed” o programa introduziu a metodologia teatral e de curta-metragens para impactar jovens menores de idade.

A ponte para o Brasil foi feita pela Diageo, que tem o Na Real como um dos projetos de ESG da empresa. Sob a lógica de um consumo mais qualificado, e não necessariamente maior, o programa busca reservar as bebidas alcoólicas ao seu público-alvo, que são as pessoas acima dos 18 anos.

“O consumo de bebida alcoólica por menor de idade é um ponto inegociável. Uma empresa de bebida alcoólica não deve vender álcool para menor de idade. Isso é claro. A gente acredita que tem vertente de crescimento de outras formas, olhando para adultos, olhando para outro público que aí sim deve consumir nosso produto com moderação”, comenta o head de ESG da Diageo, Gabriel Prudlik.

Em busca de um idealizador para o programa, a escolha pelo Aliança foi baseada também em parcerias anteriores entre a empresa e o Instituto, semelhante ao que aconteceu no Ceará. Ao longo dos últimos anos, o projeto tem estabelecido parcerias com secretarias estaduais de educação e visitado escolas das regiões nordeste e sudeste, além do Distrito Federal.

Quem teve contato com o programa destaca o poder de compreensão que ele tem junto aos jovens, como relata Leydiane Teixeira, mãe de uma estudante que participou das peças interativas e levou os conhecimentos para casa.

A matriarca conta que a filha, à época com 16 anos, chegou em casa enquanto alguns primos, também menores, bebiam em comemoração à conquista de um campeonato de futebol. Relacionando o conteúdo ainda fresco na cabeça com situações que já havia vivido em casa, a jovem decidiu conversar com os parentes e repassar o alerta que recebeu na escola.

“Foi mais de uma hora de conversa com eles. Ela falou com eles, falou comigo, falou com minha mãe, realmente saiu falando com todo mundo. Despertou muito interesse sobre coisas que aconteceram com amigas que ela não associava ao consumo, e que se elas não tivessem bebido, talvez não passariam por aquela situação. O programa foi muito rápido. Ela absorveu, aprendeu e repassou de forma muito rápida”, conta Leydiane.

Programa deve ser expandido para outros estados

Atualmente o Na Real está presente nos estados do Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem como no DF. Somadas as ações de todas as unidades, mais de 1 milhão de jovens já foram impactados, sendo 433 mil apenas no último ano fiscal, entre junho de 2023 e maio de 2024.

As ações no período foram realizadas em 157 municípios brasileiros, com 1.388 escolas participantes e 3.681 apresentações, sendo 578 peças de teatro e 3.103 curtas-metragens online.

Para os próximos anos, a expectativa é de chegar a novas regiões do país e atingir dois milhões de brasileiros até 2027. Para isso, os idealizadores do programa esperam repetir o resultado de 2023-2024 e atingir pelo menos 400 mil jovens a cada 12 meses.

Entre os estados cotados como possíveis novos participantes do programa está o Paraná, que seria o primeiro da região Sul a adentrar ao Na Real.

“Estamos muito abertos a fortalecer essa parceria com outros estados. Quanto mais a gente tiver essa oportunidade, pra gente será um prazer. E aí a gente vai achar formas de viabilizar com nossos parceiros para ampliar cada vez mais o impacto pelo Brasil”, conclui Prudlik.

Programa ainda enfrenta problemas de continuidade

Apesar do sucesso do programa, uma das deficiências admitidas pelos organizadores é a continuidade. Por atuar através de visitas, por muitas vezes únicas nas escolas, o Na Real termina por ser algo pontual na vida de muitos estudantes e que não consegue aprofundar mais os diálogos.

As exceções desse problema são Ceará e Pernambuco, que incorporaram o programa à disciplinas eletivas para prolongar a discussão em todo um semestre. No entanto, quem presenciou a aceitação dos jovens ao programa, afirma que o potencial seria muito maior se ele fosse continuado.

“Sinto falta de ações que acompanhem longitudinalmente esses meninos. A gente recebeu essa ação do curta-metragem que foi uma ação pontual. Não consigo mensurar de forma precisa o impacto, mas acredito que ele aconteça, principalmente se as ações se tornarem mais consistentes”, afirma Milena Fernandes, coordenadora pedagógica do Centro Educacional Athos Bulcão, em Brasília, que recebeu o Na Real em 2024.

Apesar da necessidade e dos benefícios que essa continuidade traria para os alunos, o tempo é uma barreira significativa para a aplicação. Em locais que o programa ainda não compõe o currículo educacional, outras responsabilidades, especialmente os conteúdos de base, tendem a ser priorizados em detrimento das peças e do curta-metragem.

“Vejo também a questão da sobrecarga. Às vezes eu proponho ‘pessoal vamos fazer essa ação, vamos trazer esse projeto’ e o que eu mais ouço é ‘Mas Milena, eu preciso fechar conteúdo’. Tem essa preocupação com a sobrecarga do professor e falta articulação com os componentes e com o currículo” conclui a coordenadora pedagógica.

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