Em um mundo pós-pandêmico, marcado por diversos acontecimentos trágicos e cada vez mais midiáticos, parece que a felicidade vem se tornando um luxo. Pode parecer curioso, mas muitas pessoas reprimem sua alegria, muitas vezes não se sentindo digno ou por acreditar que o momento não é de fato o ideal para se sentir feliz.
Situações como a conquista de um sonho no mesmo período de uma tragédia próxima a sua realidade, aquela celebração nacional enquanto outro país está em guerra, a conquista do curso desejado enquanto alguém próximo não obteve os mesmos resultados.
Ou até mesmo aquelas questões corriqueiras, como achar que pelo simples fato de sua vida está tranquila, algo de ruim vai acontecer em breve; além daquele momento de descanso e lazer em que sua mente não descansa, te fazendo se sentir improdutivo.
Podemos citar diversos exemplos, onde nos perguntamos: “Como estou conseguindo ser feliz?” “O que me dá o direito de aproveitar a vida?” “Isso significa que não ligo para o que está acontecendo?”.
Sentimos felicidade; depois culpa e, por fim, ficamos mais tristes do que nunca. Isso é o que chamamos de Culpa da Felicidade. Apesar de soar estranho para nossos ouvidos, para a psicóloga e psicanalista, Juliana Calazans, o questionamento faz parte da constituição humana
“A gente está o tempo todo se questionando, porque é isso mobiliza a vida. A culpa também é assim, nós somos atravessados pelo que se passa ao nosso redor”, comenta.
Juliana Calazans não deixa de levantar um contraponto: a idealização da felicidade. Na contemporaneidade "foi criado um imperativo de um ideal, onde esse sentimento só é valido a partir de realizações desejadas”, afirma.
Conforme a especialista, em alguns momentos as pessoas são realmente colocadas em situações onde há ganhos e perdas ao mesmo tempo, como a conquista de algo durante a vivência de um luto, que nessa realidade a culpa ou a dificuldade de receber algum ganho é alcançável.
“São duas forças que vão em lados opostos, em meio a tantas camadas e nuances. Por outo lado, existem aquelas pessoas com a tendência para um estado mais melancólico, com dificuldade de se apossar das pequenas alegrias da vida, não se autorizando a sentir ou viver essa felicidade”, afirma.
Dicas de especialista para lidar com a Culpa da Felicidade
Nesse caso, é importante ficar atento quando esse questionamento se torna frequente e está gerando um sofrimento na vida desse sujeito, o impedindo de desfrutar suas vivências plenamente.
“É preciso ficar atento e começar a se interrogar sobre o que está acontecendo acerca desse incômodo constante com o seu próprio bem-estar. É uma reflexão individual. A felicidade não é algo estável, a gente desfruta dela em alguns momentos, e se você questiona isso direto algo não está bem”, alerta.
Ao serem questionadas sobre essa Culpa da Felicidade, as pessoas que estavam de passagem na Praça do Ferreira, no centro de Fortaleza, não negavam. Nas expressões de seus rostos, um certo estranhamento da pergunta. Aliás, “quem não quer se sentir feliz?”, comenta Josileide de Sousa, de 54 anos.
Sentada no banco da praça, a vendedora, que vivenciou um câncer durante uma parte da sua vida, mostra espanto ao saber que, para alguns, a felicidade é oprimida. Para ela, a sua cura moldou a sua concepção de mundo e desse sentimento.
“Entendo viver certos conflitos quando estamos superando algo, como o câncer, mas é preciso tirar essa culpa. O mundo hoje precisa de alegria, a felicidade é fundamental nas nossas vidas. É do ser humano. Precisamos ser gratos. Ser feliz é ter uma vida íntegra, que pode lhe proporcionar coisas boas”, comenta.
Já para a cuidadora de idosos, Ana Kelly, de 42 anos, o assunto é “mais complexo do que se pensa”, afirma. Sentada no outro lado do banco onde se encontrava Josileide, ela estava acompanhada do seu filho, Miguel Enzo, um adolescente de 14 anos.
Os dois, em suas reflexões, admitem que essa culpa tem uma certa estranheza; mas que ela pode, sim, aparecer no nosso dia a dia. Para Miguel, esses sentimentos podem ocorrer em uma tarde qualquer, ao entrar no celular e se deparar com notícias trágicas: “Minha ansiedade ataca, me sinto mal e repleto de questionamentos”, diz.
Ele afirma que tenta não absorver e separar o que é do seu alcance e o que não é. A mãe é do mesmo jeito, sua experiência vai para a comida. Além da consciência de uma realidade onde muitos passam fome, ela reside perto de um matadouro de animais, que serve como produção de carne.
“Às vezes olho para o prato de comida e me sinto mal, culpada. Muitos questionamentos surgem. Penso em que não tem, lembro de como essas carnes são feitas. Relaxo e trabalho em não absorver tudo isso”, explica.
Sobre o consumo midiático ao qual somos bombardeados a todo momento, a psicóloga Juliana Calazans aconselha a trabalhar o seu interno, sabendo o que vai ser suportado.
“É natural que um sujeito antenado com um mundo tenha empatia pelo próximo. Se ele se questionou sobre a sua própria felicidade diante de um advento social ou familiar, é um sujeito saudável, porque somos constituídos a partir de outro”, afirma, ressaltando que o sinal vermelho está na frequência.
“Isso é o que faz mal. Primeiro se questiona e, depois, busca-se uma análise profissional. O ideal é se ocupar com o que gosta, olhar também para o interno. Ao se compadecer com algo, muita gente não fica refém desse sentimento, produzindo algo positivo em cima disso”, finaliza.
E é esse direcionamento que Sarah Rodrigues faz. Enquanto descansava na Praça do Ferreira, a jovem de 25 anos e estudante do ensino técnico, relatou que muitas vezes, enquanto aproveitava a tranquilidade ao seu redor, ficava muito mal quando lia sobre os conflitos exteriores, como a Israel e Palestina.
“Está acontecendo hoje, essas pessoas estão sendo bombardeada constantemente. Mesmo eu estando bem, isso me gera tristeza. Reflito sobre o que é necessário e levo para minha atuação como militante, na qual separo o que posso ou não fazer. Direciono isso para a educação e isso me alivia”, esclarece.
Esse entendimento para lidar com esses paradoxos é transformado em força para Leandro Teixeira, de 36 anos. Morando em Portugal há 6 anos, ele estava aproveitando o tempo no Brasil ao lado do seu filho.
Enquanto o jovem se distraia no celular no banco da praça, Leandro relatou que os últimos dias antes de partir eram os mais difíceis. “Estou feliz por está aproveitando com ele, mas dói só de pensar que já estou perto de ir embora. Foco nele e não na despedida, e é preciso muita força”, desabafa.
“Não há nada de útil em se culpar e dizer a si mesmo: 'Eu não deveria estar me sentindo assim, há algo errado comigo e sou uma pessoa má'. Falar consigo assim e acreditar nessas coisas pode levar a sentimentos realmente negativos em relação a si e está relacionado a sintomas de depressão”.
Essa afirmação foi dada por Natasha Bailen, uma estudante de pós-graduação na Washington University em St. Louis. Ela liderou estudo sobre metaemoções: emoções que sentimos em resposta a outras emoções, como felicidade e culpa.
Já uma pesquisa no Journal of Positive Psychology mostra que a Culpa da Felicidade nos faz querer ignorar ou desvalorizar nossas experiências positivas, mas saborear esses momentos é uma parte essencial de se sentir feliz.
A médica psiquiatra com especialização em Terapia Cognitivo Comportamental e Acupuntura, Emanuella Feitosa, explica que o conceito de felicidade é definido pela psiquiatria como o bem-estar físico e mental do indivíduo, dentro do seu contexto social.
“Esse equilíbrio é o que traz à presença do sentimento da felicidade. Os aspectos que influenciam na saúde mental e na capacidade do ser humano de não depender de excessos, das validações, e conseguir ter uma rotina e relações saudáveis e estáveis”, explica.
Uma pesquisa intitulada A Felicidade dos brasileiros, revelou que 19% da população — ou quase uma em cada cinco pessoas — se sente infeliz. Enquanto a maioria (52%) disse estar mais ou menos feliz, e somente 29% dos entrevistados declararam-se de fato felizes.
O estudo, executado pelo Instituto Qualibest, e idealizado e coordenado pela especialista em felicidade Mary Elbe, conclui que boa parte das pessoas, mesmo aquelas que se declaram felizes, ainda pautam sua felicidade a partir de aspectos externos.
Família, religião, visão do próprio corpo, bens materiais, relacionamento amoroso são exemplos desses aspectos, refletindo a problemática sobre os dados obtidos, já que é comprovado cientificamente que a felicidade é construída com base em aspectos internos.
Esta conclusão reforça a tese de Mary Elbe, constatando que a felicidade é um estado de espírito e uma forma de ver a vida, podendo ser construída a partir do desenvolvimento de fatores internos, onde o indivíduo deve persistir, desenvolver e incorporar no seu dia a dia.
Vale salientar que a falta de felicidade afeta todo o nosso corpo. Um exemplo disso é uma lista de algumas complicações decorrentes do estresse, elaborado pelo Ministério da Saúde.
Dor de cabeça, dificuldade para dormir, irritabilidade, falta de concentração, comer demais ou o contrário, raiva, tristeza, maior risco de acessos de asma e artrite, problemas no coração, diabete e menor apetite sexual são alguns desses itens, já mostrando que a visão negativa das coisas não tem nada de atrativa.
Sintomas da síndrome de sobrevivente
Emanuella Feitosa explica que existem alguns fatores psiquiátricos capazes de alterar nossa percepção sobre a felicidade.
“É uma alteração principalmente do humor. Crises depressivas e depressões com características ansiosas conseguem alterar como enxergamos os problemas e à saída para eles, alterando a percepção desse sentimento da felicidade”, diz.
Ela lembra que o acompanhamento psicológico ajuda a identificar a evolução dos nossos comportamentos, auxiliando a não reverter nossos momentos de lazer, descanso e alegria em culpa.
“Entender a nossa dinâmica emocional, como a gente se comporta, até onde vai o seu limite, e a que ponto tem que se priorizar é o principal caminho. A psicoterapia vai ajudar você a organizar sua cabeça, sem que você se sinta culpado pelo que não controla. Isso gera uma sensação de liberdade”, clarifica.
Você já escutou falar sobre a síndrome do sobrevivente? A culpa da felicidade já é uma velha conhecida na Psicologia, e muitas vezes esse paradoxo é comparado com esse termo.
Apesar de não estar formalmente catalogada no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), a síndrome de sobrevivente é a culpa de ter sobrevivido de um grande trauma no passado.
Ela foi descrita pela primeira vez na década de 60 e suas características coincidiam com as observadas em muitos sobreviventes do Holocausto e seus descendentes. O peso da culpa e do trauma favorecem o aparecimento de uma série de sintomas físicos, psíquicos e comportamentais.
“Esses sintomas podem variar com a gravidade da síndrome, sendo preciso um apoio psicológico para ampliar esse olhar e melhorar essa afetividade. Se isso for a um ponto de prejuízo da funcionalidade, é recomendado um tratamento medicamentoso”, afirma a psiquiatra Emanuella Feitosa.
Sobre a comparação da síndrome com a culpa da felicidade, a psicóloga Juliana Calazans ressalta o cuidado em nomear tudo ao nosso redor, algo comum na nossa contemporaneidade.
“A gente quer enquadrar tudo em caixinhas. Sim, é importante nomear o que se passa conosco, mas não no sentido de dar um rótulo para concluir algo. Quando isso ocorre eu despersonalizo esse sujeito, porque coloco ele no mesmo lugar de outros”, afirma.
Para ela, nomear só vai ter funcionalidade se auxiliar o sujeito a falar sobre a questão, a se interrogar, a pensar e elaborar suas próprias respostas; caso contrário, isso prejudica a evolução do indivíduo, que resumirá tudo em tal síndrome e não avançará em seu tratamento.
“O sintoma é uma formação de compromisso do nosso inconsciente com o nosso consciente. Assim, aquilo que eu não posso falar e não posso saber não é uma coisa muito simples assim de se explicar. Mas existem várias forças que atuam para que isso possa ser extravasado de alguma forma”, finaliza.
Geovana Lopes, 21 anos, é estudante universitária. A geração que a jovem faz parte é fruto dessa modernidade, cada vez mais acelerada e globalizada. Trabalhar, estudar, se relacionar, socializar e ter um estilo de vida saudável durante as 24 horas do dia é uma meta para ser alcançada todos os dias.
Esse ritmo de produtividade deixa uma lacuna para uma pausa e para o descanso, ou para aproveitar um momento simples e feliz do dia a dia. Aliás, quando não processamos essas ocasiões, não reconhecemos o valor delas.
“É como se nossa felicidade dependesse dessa rotina perfeita. Como se estivesse em nossas mãos essa responsabilidade de ser feliz ou não”, reflete a estudante. Em seu relato, ela revela que em muitos momentos não conseguia aproveitar o descanso ou atividades de socialização por excesso de cobrança.
“Você tem que fazer isso, você precisa fazer aquilo, e assim vai, gerando cada vez mais ansiedade, com tantas metas a serem cumpridas no dia. É como se ser feliz estivesse atrelado ao quanto você se esforça, e isso exclui muitos fatores sociais, econômicos e de raça. Colocam a gente em uma corrida meritocrática”, diz.
A psiquiatra Emanuella Feitosa explica que essa cobrança é fruto da proibição do desaceleramento e na forma automática em que resolvemos nossas demandas diárias.
“Desacostumamos a descansar. Você entra nesse movimento de cobrança e não consegue produzir nada, nem descansa e nem faz nada ativamente. É preciso parar, pensar, processar, reaprender, se desconectar e ter um momento de silêncio. Isso vai recarregar suas energias e te trazer bem-estar”, conclui.
Hoje, Geovana Lopes reconhece a importância do descanso e o quanto isso proporciona felicidade em sua vida, sem culpa e aproveitando com qualidade o seu tempo.
“Com a culpa vem a irritabilidade, a tristeza e aquela sensação de fracasso, e é muito ruim conviver com isso. Hoje entendo que parar e descansar é algo muito revolucionário. Procrastinar às vezes é necessário para sua saúde. Mesmo com essa mentalidade construída, às vezes ainda somos impactados”, finaliza.
Como atuam os "hormônios do bem"
Serotonina
Atua no corpo ajudando a regular sono, o humor, o apetite, o ritmo cardíaco e as emoções, ou seja, é um regulador dos excessos
Endorfina
Atua como um analgésico natural no organismo e sua liberação controla a resposta do nosso corpo ao estresse, às dores e também às emoções negativas
Dopamina
Promove a sensação de prazer, melhora o humor, ou seja, também regula nossas emoções. Além disso, faz com que a positividade e a alegria tomem conta de nossos dias, facilitando o olhar para os desafios
Ocitocina
Produzida pelo organismo, quando ele se sente relaxado e seguro, também é chamada de “hormônio do amor”
Quadros Informacionais
Hormônios liberados durante momentos alegres
Serotonina: atua no corpo ajudando a regular sono, o humor, o apetite, o ritmo cardíaco e as emoções, ou seja, é um regulador dos excessos;
Endorfina: atua como um analgésico natural no organismo e sua liberação controla a resposta do nosso corpo ao estresse, às dores e também às emoções negativas;
Dopamina: promove a sensação de prazer, melhora o humor, ou seja, também regula nossas emoções. Além disso, faz com que a positividade e a alegria tomem conta de nossos dias, facilitando o olhar para os desafios;
Ocitocina: produzida pelo organismo, quando ele se sente relaxado e seguro, também é chamada de “hormônio do amor”.
Dicas para lidar com a Culpa da Felicidade
Sintomas da síndrome de sobrevivente
Fonte: Especialistas consultados pela reportagem
O preço de sorrir: conflitos internos
As pessoas que passavam pela Praça do Ferreira, no centro de Fortaleza, ao serem questionadas sobre essa culpa da felicidade, não escondiam, nas expressões dos seus rostos, um certo estranhamento em relação à pergunta. Aliás, "quem não quer sentir-se feliz?", comenta Josileide de Sousa, de 54 anos.
Sentada num banco da praça, a vendedora, que enfrentou um câncer, mostra-se espantada ao saber que, para alguns, a felicidade é reprimida. Para ela, a sua cura moldou a forma como olha o mundo e esse sentimento.
"Entendo viver certos conflitos quando estamos superando algo, como o câncer, mas é preciso tirar essa culpa. O mundo hoje precisa de alegria, a felicidade é fundamental nas nossas vidas. É algo intrínseco ao ser humano. Precisamos ser gratos. Ser feliz é ter uma vida íntegra, que pode nos proporcionar coisas boas", comenta.
Para Ana Kelly, 42 anos, cuidadora de idosos, o assunto é "mais complexo do que parece". Sentada no lado oposto do banco onde se encontrava Josileide, estava acompanhada do seu filho, Miguel Enzo, um adolescente de 14 anos.
Ambos, nas suas reflexões, admitem que essa culpa tem algo de estranho, mas que pode, sim, surgir no nosso dia a dia. Para Miguel, esses sentimentos podem emergir numa tarde qualquer, ao pegar o celular e deparar-se com notícias trágicas: "A minha ansiedade ataca, sinto-me mal e cheio de questionamentos", diz. Apesar disso, afirma que tenta não absorver tudo e separar o que está ou não ao seu alcance.
Sobre o consumo midiático a que estamos expostos constantemente, a psicóloga Juliana Calazans aconselha trabalhar o lado interior, compreendendo o que cada um é capaz de suportar.
"É natural que um sujeito atento ao mundo tenha empatia pelo próximo e se questione sobre a sua própria felicidade diante de um evento social ou familiar", afirma. Ela salienta também o sinal de alerta que pode aparecer a partir da frequência com que isso acontece.
"O ideal é ocupar-se com o que se gosta, olhar também para dentro. Ao compadecer-se com algo, muita gente não se torna refém desse sentimento e transforma isso em algo positivo", finaliza.
Felicidade como estado de espírito
A médica psiquiatra Emanuella Feitosa, com especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental e Acupuntura, explica que o conceito de felicidade, segundo a Psiquiatria, está relacionado com o bem-estar físico e mental do indivíduo, dentro do seu contexto social.
"Esse equilíbrio é o que permite o surgimento do sentimento de felicidade. Os fatores que influenciam a saúde mental incluem a capacidade de não depender de excessos, de validações externas e de manter uma rotina e relações saudáveis e estáveis", afirma.
Infelizmente, uma pesquisa intitulada "A Felicidade dos Brasileiros" revelou que 19% da população — quase uma em cada cinco pessoas — se sente infeliz. Enquanto isso, 52% disseram estar mais ou menos felizes, e apenas 29% declararam-se de fato felizes.
O estudo, executado pelo Instituto Qualibest e coordenado pela especialista em felicidade Mary Elbe, mostra que muitas pessoas — mesmo as que se dizem felizes — ainda pautam a sua felicidade em fatores externos.
Família, religião, imagem corporal, bens materiais e relacionamentos amorosos são alguns exemplos desses fatores. Isso levanta uma problemática: a felicidade, comprovadamente, é construída com base em fatores internos.
Essa conclusão reforça a tese de Mary Elbe: a felicidade é um estado de espírito e uma forma de ver a vida, que pode ser cultivada através do desenvolvimento pessoal. O indivíduo deve persistir, desenvolver e incorporar esses valores no seu dia a dia.
É importante salientar que a ausência de felicidade afeta o corpo como um todo. Segundo o Ministério da Saúde, complicações decorrentes do estresse incluem: dores de cabeça, dificuldade para dormir, irritabilidade, falta de concentração, alterações no apetite, raiva, tristeza, maior risco de crises de asma e artrite, problemas cardíacos, diabetes e diminuição da libido. Esses sintomas mostram como uma visão negativa da vida não traz qualquer benefício.
Síndrome de sobrevivente
Você já ouviu falar da síndrome do sobrevivente? A culpa da felicidade já é uma velha conhecida da Psicologia e, muitas vezes, esse paradoxo é comparado a este termo. Apesar de não estar formalmente catalogada no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), a síndrome do sobrevivente refere-se à culpa por ter sobrevivido a um grande trauma no passado.
Ela foi descrita pela primeira vez na década de 1960, e as suas características coincidiam com as observadas em muitos sobreviventes do Holocausto e seus descendentes. O peso da culpa e do trauma favorece o aparecimento de uma série de sintomas físicos, psíquicos e comportamentais.
"Esses sintomas podem variar conforme a gravidade da síndrome, sendo necessário apoio psicológico para ampliar esse olhar e melhorar essa afetividade. Se o quadro comprometer a funcionalidade da pessoa, é recomendado um tratamento medicamentoso", afirma a psiquiatra Emanuella Feitosa.
Sobre a comparação entre a síndrome e a culpa da felicidade, a psicóloga Juliana Calazans chama a atenção para o cuidado que devemos ter ao nomear tudo ao nosso redor — algo comum na contemporaneidade.
A revolução pelo descanso
Geovana Lopes, de 21 anos, é estudante universitária e faz parte de uma geração que nasceu em um mundo mais acelerado. Trabalhar, estudar, socializar e manter um estilo de vida saudável tornou-se uma meta diária para ela.
Esse ritmo de produtividade deixa pouco espaço para a pausa ou mesmo desfrutar de um momento simples e feliz. Aliás, quando não processamos essas ocasiões, deixamos de reconhecer o valor que elas têm.
"É como se a nossa felicidade dependesse dessa rotina perfeita. Como se estivesse nas nossas mãos a responsabilidade de sermos felizes ou não", reflete a estudante.
No seu testemunho, revela que em muitos momentos não conseguia aproveitar o descanso ou atividades sociais devido ao excesso de autoexigência.
"Temos que fazer isto, precisamos fazer aquilo, e assim vai gerando cada vez mais ansiedade com tantas metas a cumprir no dia. É como se ser feliz estivesse atrelado ao esforço, e isso exclui muitos fatores sociais, econômicos e raciais. Entramos em corrida meritocrática", afirma.
A psiquiatra Emanuella Feitosa explica que essa cobrança é reflexo da proibição do desaceleramento e da forma automática com que lidamos com as exigências diárias.
"Nos desacostumamos a descansar. Entramos nesse movimento de cobrança e não conseguimos produzir nem descansar. É preciso parar, pensar, processar, reaprender, desconectar-se e ter momentos de silêncio. Isso recarrega energias e gera bem-estar", conclui.
Hoje, Geovana Lopes reconhece a importância do descanso e o quanto isso contribui para a sua felicidade — sem culpa, aproveitando com qualidade o seu tempo.