Imagine não conseguir andar devido a uma dor. Ser levado ao hospital em uma cadeira de rodas, tomar doses gigantescas de medicamento e, mesmo assim, retornar para casa ainda no mesmo estado. Essa foi a situação de Julliana Honorato, 45, em 2021, que marcou o início de uma jornada com desafios complexos: a descoberta da fibromialgia.
Como lidar com uma dor que não passa e não se resolve com medicamentos? Fadiga, sono irregular, dores generalizadas por todo o corpo e síndromes depressivas. Uma pessoa com fibromialgia está vulnerável a múltiplos sintomas, que abrangem a constituição física e mental. Relacionada diretamente com o estresse, o emaranhado de particularidades dessa doença crônica atinge cerca de 2% a 3% da população brasileira, segundo dados da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).
Esse número representa, aproximadamente, 4 a 6 milhões de pessoas que lidam com a dor diariamente em algum nível. Apesar disso, a primeira dificuldade costuma ser o diagnóstico. Julliana comenta que somente após o episódio de dor generalizada foi levantada a suspeita da fibromialgia para o início do tratamento. A causa dessa doença ainda é desconhecida, mas os sintomas são provocados pela sensibilização da percepção da dor no paciente. Estudos reumatológicos e neurocientíficos ao longo dos anos, apontaram que a alteração de neurotransmissores faz o corpo entender como agressivos os estímulos que não deveriam causar dor.
De acordo com o dr. Rodrigo Azevedo, reumatologista especialista em dores crônicas, a doença é “multifatorial” e resulta de uma combinação de fatores genéticos, ambientais e psicológicos. Rodrigo também explica que há relação direta da fibromialgia com fatores emocionais: “As vias de sinalização e os neurotransmissores que estão envolvidos com emoções, transtornos de ansiedade e depressão são as mesmas que envolvem a sinalização da dor”. E acrescenta que períodos de estresse emocional intenso influenciam no desbalanceamento da interpretação do sistema nervoso central, o que gera uma dor difusa.
Uma das singularidades da patologia é a maior incidência entre mulheres. Segundo dados do Ministério da Saúde e do SBR, de cada dez fibromiálgicos, sete são mulheres entre 30 e 60 anos. Mulheres como Julliana Honorato precisam conviver com a dor diariamente e enfrentar uma jornada até o diagnóstico: “Devido a frequência de idas para emergência sem conseguir andar direito, com a lombar travada, a suspeita de fibromialgia foi levantada. Por várias vezes as medicações não funcionavam, até chegar o dia em que me prescreverem morfina, daí entendi que a situação era muito absurda”.
A realidade da psicóloga Sabrina Magalhães também é atravessada pela fibromialgia. Desde muito nova acometida por dores sem explicação, após um episódio de estresse e esgotamento emocional em 2010, começou a sentir dores dilacerantes em todo o corpo com mais intensidade. Sabrina explica que teve Síndrome de Burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo causado principalmente por desgaste profissional. Vivemos em uma cultura que compartimentaliza a saúde em suas especialidades, logo, a fibromialgia chega a um dilema: Como tratar? Como lidar com essa doença?
Sabrina comenta que, como paciente fibromiálgica, já ouviu muitas declarações como “isso é coisa da sua cabeça!, “dramática e preguiçosa”, e explica que foi nos tratamentos psicológicos que encontrou uma forma de entender melhor o próprio corpo e seus desdobramentos emocionais. Além do acompanhamento pessoal, ela comenta que sua mudança de estilo de vida também influenciou a transição de carreira. Hoje, Sabrina atende pacientes com um cenário semelhante ao dela. “A terapia é um dos pilares do tratamento da fibromialgia, pois permite o controle do estresse e conscientização de emoções que podem resvalar num estado de dor psicológica em forma de sintoma físico”, destaca.
Sabrina acredita que unir o entendimento do próprio corpo e mente é o pontapé inicial do tratamento: “O seu estilo de vida precisa envolver apoio para que você vença suas barreiras e resistências. Todos temos que empreender mudanças na vida. E isso compõe o tratamento, como um pilar”.
O tratamento dos sintomas relacionados à fibromialgia é multidimensional e individualizado. Como uma dor nociplástica crônica, ou seja, relacionada diretamente com o “termostato” de percepção da dor pelo sistema neurológico, os recursos terapêuticos são como um tripé. Os pilares de sustentação são o movimento do corpo, manejo do estresse e intervenções localizadas, farmacológicas ou alternativas.
Mesmo quando o corpo, em seu silêncio, se expressa através dos sintomas, há formas de redesenhar o dia a dia. Pessoas como Julliana e Sabrina encontram na união de abordagens uma forma de superação das barreiras. Apesar de não considerar a cura, enxergar o processo como a constante avaliação de autocuidado é parte da evolução.
“Eu digo que estou em uma relação com os sintomas, compreendendo e aprendendo com eles de uma outra forma, agora com muito mais consciência para continuar sonhando e realizando, mesmo com a limitação”, finaliza Sabrina Magalhães.
Uma das alternativas de tratamento para fibromialgia que vem ganhando destaque no cenário clínico é a Ortopedia Integrativa, uma forma de tratar mais humanizada e menos invasiva. Combinando o uso da fisioterapia funcional, reeducação postural global (RPG), pilates terapêutico e exercícios de baixo impacto, esses novos métodos favorecem no alívio dos sintomas.
Segundo Sérgio Costa, ortopedista especializado em dor crônica e reabilitação funcional, a ortopedia busca tratar o paciente de forma mais global, indo além dos tratamentos clássicos — medicação, fisioterapia e atividade física.“Hoje já recomendamos terapias complementares, como o shiatsu e a acupuntura, ondas de choque, infiltrações ambulatoriais — tanto na musculatura quanto nos tendões — canabinoides e determinados tipos de antidepressivo”, afirma.
Para ele, a importância está em individualizar o tratamento, na qual o paciente é único, com queixas e necessidades específicas, sempre associando atividade física. Escolher a melhor abordagem para o paciente é essencial para realizar movimentos controlados que promovam liberação de endorfinas, melhoramento da circulação e redução da rigidez muscular, sem agravar os sintomas.
Para a fibromialgia, um dos grandes desafios é desconstruir a ideia de que repouso absoluto é a melhor solução, na qual pode acentuar a dor e a fadiga. O repouso pode estimular a atrofia muscular e rigidez articular, além da perda do controle motor e da
capacidade funcional musculoesquelética
"Diminuição da força em músculos, ossos, tecidos e ligamentos, prejudicando movimentação e proteção"
. "A chave está no fortalecimento mediante movimentos guiados e progressivos”, alerta Sérgio.
O modelo integrativo de cuidado traz um olhar mais completo sobre a doença: “Nós, ortopedistas, precisamos trabalhar de forma coordenada com fisioterapeutas, educadores físicos e psicólogos. A fibromialgia não é só dor física — ela também impacta o emocional e a qualidade de vida como um todo. Quanto mais completa for a abordagem, melhores os resultados”, ressalta.
Ele finaliza destacando os avanços no entendimento da doença e o papel ativo do paciente, afirmando que a informação é uma ferramenta terapêutica. “Quando o paciente entende sua condição e participa ativamente do tratamento, ele se sente mais confiante e engajado no processo de reabilitação. Essas novas abordagens vêm se mostrando eficazes também na melhora da mobilidade, do sono e do bem-estar geral”, conclui. (Colaborou / Rafael Santana)
O tratamento da dor fibromiálgica é pulverizado em diversas direções conforme a necessidade de cada indivíduo. Aliada à complexidade dos tratamentos farmacológicos e fisioterapia, a acupuntura é uma técnica milenar anterior à medicina ocidental que se baseia na aplicação de agulhas muito finas em pontos específicos do corpo. O estímulo realizado nos pontos chamados “meridianos” promove o equilíbrio da circulação sanguínea e a liberação de substâncias como a endorfina, que beneficia o sistema nervoso.
A acupuntura faz parte da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e é uma das diretrizes clínicas mais comuns no tratamento da fibromialgia. Os conhecimentos tradicionais para o manejo da dor são categorizados como Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e são reconhecidos e ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.
Ao O POVO, o coordenador do Grupo de Atenção Integral e Pesquisa em Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa da Universidade Federal do Ceará (GAIPA-UFC), dr. Bernardo Coutinho, explica que a acupuntura e os exercícios corpo-mente são opções terapêuticas da segunda linha de tratamento elaboradas pela Liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR). “A literatura científica mostra que a acupuntura e suas derivações podem trazer resultados de redução da dor e melhora da funcionalidade das pessoas com fibromialgia em atividades do dia a dia”, explica o professor.
Todas as semanas, o projeto oferece gratuitamente para a população tratamentos alternativos com base em conhecimentos ancestrais do oriente. Após a avaliação de cada paciente e inscrição mediante formulário, são ofertadas seis sessões iniciais.
A acupunturista e farmacêutica Tatiana Fontenele afirma que a maioria das pessoas encaminhadas para o GAIPA possui um histórico de efeitos colaterais devido ao uso intenso de medicamentos. “A chave para tratamento de dores crônicas com a acupuntura é a frequência. É necessário realizar a manutenção semanal para evitar excessos de medicação e promoção da qualidade de vida”, destacou.
Em seu último dia no GAIPA após cinco visitas semanais, Raimunda Solange, finalizou a primeira etapa do tratamento da fibromialgia com acupuntura. “Já sinto que faço menos esforço e sinto menos dor na lombar. Saio daqui bem mais aliviada”, concluiu. O acompanhamento do projeto é contínuo, caso o paciente tenha alta do tratamento com as agulhas, outros braços do projeto atuam na manutenção do bem-estar.
Todas as sextas-feiras pela manhã, o grupo de práticas corporais realiza exercícios de domínio do equilíbrio do corpo, a prática chinesa Qigong (pronunciado “chi kung”). Os participantes são orientados pelo terapeuta ocupacional e técnico em medicina chinesa Pedro Marinho, em uma sequência de movimentos que priorizam repetição e suavidade.
Pedro comenta que o benefício é levar os exercícios como rotina mesmo após o encontro semanal, e destaca que o espaço também é importante na manutenção psicológica dos pacientes: “Existe uma dor que dói mais, neste grupo aprendemos a lidar com a dor física, mas também fortalecemos laços sociais contra a solidão e depressão”.
O GAIPA oferece serviços de acupuntura, auriculoterapia "Método terapêutico que utiliza a orelha como um mapa do corpo, implantando agulhas e sementes para alívio de dor. " e práticas corporais e de convivência. Além disso, o núcleo de fisioterapia com estudantes em internato da UFC. Para se inscrever é necessário preencher formulário disponível no site.
Serviço
Grupo de Atenção Integral e Pesquisa em Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa (GAIPA UFC)
Endereço: Coordenadoria de Desenvolvimento Familiar (CDFAM), UFC Campus do Pici. Rua Pernambuco, nº 1674, Planalto do Pici.
Telefone: (85) 3366-9372.
Redes sociais: @gaipa_ufc (instagram e facebook)
Email: gaipaufc@gmail.com
A síndrome de fibromialgia é considerada a segunda causa mais frequente de consultas em ambulatórios de reumatologia. No cenário mundial, é a terceira condição de dor crônica, superada apenas pela dor lombar e osteoartrite. Entretanto, a comunidade fibromiálgica nem sempre é compreendida nem inclusa em políticas públicas de saúde.
A evidente necessidade de um tratamento em múltiplas searas da medicina, estreita o acesso à profissionais que vão além da reumatologia. Mesmo com o diagnóstico em mãos, muitos fibromiálgicos carecem de acesso, através dos postos de saúde em Fortaleza, ao acompanhamento contínuo com fisioterapeutas, psicólogos e ortopedistas, que geralmente são realizados em instituições particulares.
Como explica Luciana Sabino, criadora do grupo União FibroFor que luta para acessar melhorias para a comunidade fibromiálgica de Fortaleza. O grupo composto por mais de 250 mulheres apenas em uma rede social, foi criado em 2019 e une histórias de amigas que, apesar de suas próprias dores, encontram tempo e força para acolher umas às outras.
Mesmo não sendo uma associação oficializada, o grupo já reúne mais de 2 mil pessoas que promovem ajuda mútua e mobilizações em prol de melhorias na saúde pública. “Nem sempre temos apoio da família, ficamos por nós mesmas. Então decidi me unir com outras mulheres que sofrem com essa dor aqui em Fortaleza e em todo o país”, explica Luciana.
A programação dos encontros envolvem conversas e compartilhamento de experiências, palestras de médicos voluntários e ações de saúde. Para ela, a união funciona como ferramenta de amplificação da discussão do tema e transforma aos poucos a realidade de cada pessoa. Como o apoio do Grupo de Apoio aos Pacientes Reumáticos do Ceará (GARCE), que facilita o acesso a vagas em sessões de fisioterapia, pilates e psicologia.
Apesar do estabelecimento do Dia Municipal de Conscientização da Fibromialgia em Fortaleza, celebrado em 12 de maio de cada ano, Luciana afirma que direitos estabelecidos por lei direcionados para a comunidade fibromialgia têm pouca aderência e efetividade. A Lei nº 11.480, de 04 de julho de 2024, de Fortaleza, equipara as pessoas com fibromialgia às pessoas com deficiência. Esses direitos são previstos no Estatuto Municipal da Pessoa com Deficiência (Lei nº 10.668/2018), para atendimento prioritário e uso de vagas especiais.
Entretanto, para Luciana, a lei existe, mas não saiu do papel: “Não temos carteiras para ser mostrada que somos preferencial, se apresentarmos o laudo médico, as pessoas não acreditam. Os governantes precisam designar um local para as carteiras serem feitas aqui em Fortaleza”.
Os municípios cearense de Barbalha (Lei 2.560/2021) e de Pacatuba (Projeto de Lei em tramitação), também possuem leis que garantem atendimento preferencial em órgãos públicos, empresas e estabelecimentos comerciais. Em Barbalha, a identificação se dá por meio de um cartão expedido pela Secretaria Municipal de Saúde, mediante laudo médico.
O grupo cobra ações mais concretas para a capital: “Precisamos dessa carteira para dar início a uma garantia de algo que temos direito. Não temos direito a nada, não somos procurados, nem lembrados”, finaliza Luciana.
Recursos - informações para quadros
Informação em destaque para texto inicial
O diagnóstico tem natureza de exclusão e é mapeado através de exames de pressão em áreas sensíveis, testes de condução nervosa (EMG) e exames de sangue e imagem.
Citação em destaque no quadro
“As pessoas precisam entender o que é a fibromialgia. Sem um exame que comprove, você precisa muito da compreensão das pessoas” — Julliana Honorato
Citação em destaque no quadro
"O seu estilo de vida precisa envolver apoio para que você vença suas barreiras e resistências. Todos temos que empreender mudanças na vida. E isso compõe o tratamento, como um pilar” — Sabrina Magalhães
Informação para quadro
SINTOMAS MAIS COMUNS DA FIBROMIALGIA
Sensação de queimação
Pontadas nos músculos e tendões
Fadiga e falta de sono reparador
Névoa mental (também conhecida como "fibrofog") e perda de memória
Ansiedade / Depressão
Rigidez muscular
Alterações intestinais
Travamento na mandíbula
Sensação de "entalo" na garganta
Informação para quadro
TRATAMENTOS MAIS COMUNS
Os tratamentos mais comuns da Fibromialgia envolvem medicamentos, tratamento psicológico e exercício físico regular.
> Medicamentos GABA (ácido gama-aminobutírico)
O GABA é uma substância natural do cérebro humano e age como um “freio” para os neurônios e ajuda a acalmar o sistema nervoso. Os medicamentos anticonvulsivantes e antidepressivos GABA funcionam no sistema nervoso como um semáforo no trânsito, controlando a sensação de dor causada pela hipersensibilização causada pela Fibromialgia. De acordo com estudos da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (NIH), a eficácia desses medicamentos é observada em cerca de 25 a 45 em cada 100 pessoas que os tomam, com uma redução da dor em pelo menos metade.
Os medicamentos são, principalmente, amitriptilina, duloxetina e pregabalina.
> Prática de atividade física regular - exercícios aeróbicos como caminhadas, natação, corridas com pouco impacto, ciclismo, dança e hidroginástica
> Fisioterapia - realizada, idealmente, de 2 a 4 vezes por semana, alongamento, eletroterapia e tratamentos com calor
> Acompanhamento psicológico - conhecimento de emoções e manejo do estresse
Informação para quadro - sugestão: este pode estar próximo à coordenada sobre acupuntura
TRATAMENTOS ALTERNATIVOS
> Ventosaterapia - ventosas de sucção na pele que ajudam na circulação sanguínea, alívio da sensação de dor e diminuição do estresse
> Hidroterapia - exercícios submersos em água aquecida entre 30° C e 32° C, que ajudam no relaxamentos muscular e promovem mobilidade
> Cannabis Medicinal - Um estudo israelense publicado em 2019 pela Journal of Clinical Medicine mostrou resultados efetivos do uso da cannabis em pacientes fibromiálgicos. O tratamento geralmente utiliza óleos ou cápsulas de canabidiol.
Informação para quadro - relacionado com coordenada sobre acupuntura
Serviço
Grupo de Atenção Integral e Pesquisa em Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa (GAIPA UFC)
Endereço: Coordenadoria de Desenvolvimento Familiar (CDFAM), UFC Campus do Pici. Rua Pernambuco, nº 1674, Planalto do Pici.
Telefone: (85) 3366-9372.
Redes sociais: @gaipa_ufc (instagram e facebook)
Email: gaipaufc@gmail.com