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Medo, medo, medo... ah, essa velhice
Ciência e Saúde

Medo, medo, medo... ah, essa velhice

O tabu da velhice começa a se abrir. Artistas, pensadores e profissionais vêm criando caminhos mais lúcidos e libertários para enfrentá-lo
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CARTUM cedido pela família do artista Marcus Francisco. Obra
Foto: Acervo da família de Marcus Francisco CARTUM cedido pela família do artista Marcus Francisco. Obra "Papos Curtos", década de 1970

Foi visitando a exposição Subsequência, em exibição na Estação das Artes de Fortaleza, que encontrei o medo da velhice dos anos setenta. Trata-se de uma das obras do premiado artista cearense Marcus Francisco MF (1950-1980), que mostra duas mulheres posando após dezenas de cirurgias plásticas. Seus rostos, repuxados, perderam as marcas do tempo — e talvez a identidade. O medo do envelhecimento as levou a transfigurarem-se em busca da juventude.

O mesmo medo reaparece no filme A Substância (2024), em que a personagem de Demi Moore, Elisabeth Sparkle, entra em colapso emocional ao ser advertida por seu empresário sobre a perda de sua "higidez" corporal. A partir daí, ela inicia um processo existencial danoso e irreversível, tentando rejuvenescer a qualquer custo — transfigurando-se e perdendo, de vez, também a identidade.

Na série de TV Ginny e Georgia (2024), que trata da relação turbulenta entre uma mãe de 30 anos, com medo extremo do envelhecimento, e sua filha adolescente de 16, há uma cena emblemática: em plena madrugada, a mãe descobre um fio de cabelo branco no queixo e, aos gritos, acorda a filha para confirmar a existência daquela marca da velhice. A confirmação desencadeia um medo extremo. Quando a filha diz para ela não se afligir, a mãe responde: "Envelhecer é uma sentença de morte horrível, inevitável."

Provocações como essas nos fazem olhar para a nossa relação cultural com a idade de forma mais crítica, mostrando como somos orientados a perseguir uma juventude infinda. Esse modo é nosso — e foi na década de setenta que se consolidou, com a onda de cirurgias plásticas, como Marcus apresenta em seu quadro.

Simone de Beauvoir, em A Velhice (1970), afirma que "é o corpo que desvela a velhice." O corpo denuncia o tempo — e, com ele, vêm as limitações da senescência. Em paralelo, a sociedade responde com apagamento e escanteio aos velhos. O etarismo, como alerta a OMS, atinge um em cada dois idosos no mundo.

MF, Beauvoir, o cinema e as séries contemporâneas revelam, por diferentes linguagens, o medo de ser velho — medo que paralisa e impede a reinvenção das identidades.

Mas há luz. O tabu da velhice começa a se abrir. Artistas, pensadores e profissionais vêm criando caminhos mais lúcidos e libertários para enfrentá-lo. A antropóloga Mirian Goldenberg, por exemplo, propõe uma velhice sem vergonha — no corpo, na alma e nas escolhas. "Sou uma velha sem vergonha", diz ela. E conclama: sejamos todos velhas e velhos sem vergonha — o que significa: sejamos livres.

a liberdade do velho talvez seja o melhor antídoto contra o medo de envelhecer. A liberdade de sermos como quisermos: naturais ou retocados com cuidados, produtos e procedimentos condizentes com o estado de espírito de cada um; recolhidos ou expostos; lentos ou vibrantes. Que cada um faça de seu corpo uma morada possível e digna.

Ah... essa velhice bem que pode ser olhada de frente, debatida e vencida — com arte, filosofia, coragem e o prazer de se ver velho no espelho.

 

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