O fenômeno da hiperconectividade, que afeta adultos e crianças, tem levado a uma enxurrada de autodiagnósticos de TDAH, muitas vezes baseados em informações incorretas e oriundas das redes sociais. Em um mundo acelerado e repleto de distrações, manter a concentração para realizar tarefas e focar em uma coisa de cada vez se tornou um desafio.
O fenômeno social de hiperatividade e hiperconectividade, que afeta adultos e crianças, tem desafiado especialistas. No entanto, a epidemia de desatenção e hiperatividade nem sempre corresponde a um adoecimento neurobiológico que precisa de medicação, e muitas vezes está ligada ao nosso momento histórico ou pessoal, no qual as tecnologias ganharam centralidade.
Quem nunca se viu na seguinte situação: você pega o celular para enviar uma mensagem e, de repente, sua atenção é desviada por um vídeo ou uma notificação? E, em poucos segundos, você já não se lembra do que ia fazer?
Esse é um sintoma de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)? Pode ser, mas um diagnóstico preciso requer a análise de vários outros fatores. Vale lembrar que o TDAH é um quadro neurobiológico que causa prejuízos significativos na vida do paciente.
A psiquiatra e mestre em Psiquiatria pela USP, Mara Crisóstomo Guimarães, ressalta: "São analisados nove sintomas de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Mais do que isso, avaliamos os prejuízos que esses sintomas provocam na vida do paciente — na vida acadêmica, social, familiar e em sua autoestima", reforça.
Existe uma grande procura por diagnósticos no país. Conforme estatísticas apresentadas por médicos, suspeita-se que o TDAH afeta 5% das crianças e 2,5% dos adultos, embora apenas 20% deles tenham o diagnóstico correto.
De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção, o número de casos de TDAH varia entre 5% e 8% globalmente. Estima-se que 70% das crianças com TDAH apresentem outra comorbidade; e que pelo menos 10% tenham três ou mais comorbidades.
Um estudo de 2022 publicado no impresso médico "Revista Contemporânea" mostrou que a faixa etária mais afetada no Brasil é entre 5 e 9 anos, com predominância do sexo masculino em todos os diagnósticos específicos.
A psiquiatra Fabrícia Signorelli, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), esclarece: "Estudos comprovam sua existência, comprometendo áreas cerebrais, principalmente o córtex pré-frontal. A falha no funcionamento dessa região explica os sintomas de hiperatividade, impulsividade, desatenção e disfunções executivas (dificuldade de planejamento e execução de tarefas). O TDAH causa prejuízos significativos na vida de crianças, adolescentes e adultos", argumenta.
Segundo ela, é necessário cuidado com o diagnóstico e o autodiagnóstico. "Nossa atenção é flutuante, varia conforme o cansaço e o interesse. Sintomas do TDAH, como dispersão ou esquecimento, podem ser flutuações normais do dia a dia", explica a psiquiatra.
A médica Mara Crisóstomo reforça que a pessoa pode ter um quadro de desatenção, hiperatividade e impulsividade ou um quadro misto. "Às vezes, a pessoa tem todos os sintomas, mas não tem sofrimento. Os sintomas de desatenção não se resumem apenas a não conseguir manter o foco, que é a principal queixa, mas também incluem dificuldade de planejamento e organização. Esquecimento de atividades do dia a dia e distração fácil com estímulos ao redor também são alertas", explica.
Há uma preocupação com o tempo de uso de celulares, tablets e redes sociais, que tem "destreinado" nossa atenção. Com isso, a psiquiatra ressalta dificuldades na manutenção do foco em leituras, filmes e aulas.
Todas essas questões são reais, mas é o diagnóstico que define o tratamento. A médica Fabrícia Signorelli destaca que crianças com TDAH frequentemente sofrem bullying e são rotuladas como "desatentas", "desobedientes" ou "preguiçosas". "Não existe TDAH sem prejuízo funcional", enfatiza. Além disso, há também um sentimento de inadequação que pode desencadear outros problemas, inclusive emocionais, como crises de depressão e ansiedade.
Portanto, não é uma questão apenas da necessidade ou não de medicação, mas de entender a singularidade de cada pessoa.