A diabetes é assim: crônica e perigosa. É uma condição para toda a vida, que vai além do simples não comer doces e carboidratos. Ela é causada pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina, um hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo.
A diabetes pode causar o aumento da glicemia e as altas taxas podem levar a complicações no coração, nas artérias, nos olhos, nos rins e nos nervos. Em casos mais graves, até a morte.
A doença tem sua seriedade e, com razão, o número de adultos vivendo com diabetes no mundo ultrapassou 800 milhões, mais que quadruplicando desde 1990, de acordo com dados divulgados pela The Lancet.
O estudo mostrou que a prevalência global de diabetes em adultos aumentou de 7% para 14% entre 1990 e 2022. Os países de baixa e média renda apresentaram os maiores aumentos, onde as taxas da doença dispararam enquanto o acesso ao tratamento permanece persistentemente baixo.
Essa realidade aprofundou o debate sobre grandes desigualdades globais: em 2022, quase 450 milhões de adultos com 30 anos ou mais — cerca de 59% de todos os adultos com diabetes — permaneceram sem tratamento, marcando um aumento de 3,5 vezes em pessoas não tratadas desde 1990. Noventa por cento desses adultos sem tratamento vivem em países de baixa e média renda.
No Brasil, um dado que assusta é o aumento da pré-diabetes em crianças e adolescentes. Em oito anos — 2015 a 2023 —, os atendimentos ambulatoriais por diabetes tipo 2 cresceram 225%, segundo dados do Ministério da Saúde.
A doença afeta todos, de qualquer idade e gênero. Para Cristina Façanha, médica e diretora-geral do Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH), a diabetes é uma condição complexa.
“O tipo 1 é uma doença autoimune que destrói as células produtoras de insulina no pâncreas, tornando a pessoa dependente de insulina para viver. O tipo 2, mais comum, envolve tanto a dificuldade na produção de insulina quanto a resistência à sua ação. Ele é tratado com medicamentos que combatem a resistência e estimulam a produção do hormônio”, destaca.
Ela também explica que existem outros tipos, como os ligados a síndromes genéticas (MODY) ou a doenças do tecido gorduroso (lipodistrofia).
Em Fortaleza, o Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH) realizou 21.434 atendimentos a pessoas com diabetes só em 2024, o que representa uma média mensal de 1.786 atendimentos.
“Os sintomas clássicos surgem da dificuldade das células em receber energia. Começa com fadiga e mal-estar, e logo depois o corpo tenta eliminar o excesso de açúcar pela urina, o que leva o paciente a urinar muito (poliúria), sentir muita sede (polidipsia) e, como o corpo não consegue se nutrir, a pessoa emagrece”, afirma a doutora.
No caso da diabetes tipo 2, a fase inicial pode causar ganho de peso, devido à necessidade do corpo de produzir mais insulina para compensar a resistência a ela.
“Infelizmente, a maioria das pessoas com diabetes tipo 2 passa anos sem sintomas. O quadro clínico inicial é, na maioria das vezes, totalmente assintomático, apresentando no máximo um pouco de fadiga, infecções urinárias frequentes ou dores nas pernas. A doença evolui silenciosamente, por isso é tão importante rastreá-la ativamente”, alerta.
Ela comenta sobre a diabetes cronicamente descompensada, que pode levar a problemas nos vasos sanguíneos, nos olhos, nos rins e no cérebro, sendo a principal causa de cegueira adquirida e uma das principais razões para as pessoas precisarem de diálise.
Além disso, é o principal fator de risco cardiovascular e aumenta o risco de câncer, depressão e demência.
“Tratar desde cedo faz toda a diferença. Além das complicações crônicas, existem as agudas. A hipoglicemia, por exemplo, ocorre quando a dose da medicação está inadequada ou o paciente não se alimenta corretamente após tomar o remédio. A baixa de açúcar pode causar tontura, sudorese fria, alterações de humor e até coma”, revela.
Outra condição que a especialista não deixa de mencionar é a cetoacidose diabética, que pode levar ao coma diabético em pessoas dependentes de insulina que deixam de tomá-la.
“A hiperglicemia grave e crônica, se associada a uma infecção ou a um evento como um AVC, pode levar ao coma hiperosmolar, uma complicação gravíssima. Todas essas complicações são irreversíveis, por isso nosso objetivo é preveni-las”, diz.
Na vida de Paulo Roberto de Paula, técnico de informática, 45 anos, viver com a diabetes foi uma dura adaptação. A sua é tipo 2, e tudo começou com uma grande sede, há 20 anos. O diagnóstico veio por meio de exame no dedo. Na época, a glicemia chegou a medir 400.
Aprender a fazer a medição ao longo do tempo foi fácil, ele também nunca teve complicações, e de três em três meses segue o check-up completo. O controle da pressão é constante, sempre verificando para não acontecer uma queda brusca. Além disso, ele faz academia para lidar melhor com a condição.
“Já aconteceu de eu estar indo almoçar e minha glicemia estar muito baixa, acabei ficando desorientado e até passei do lugar onde ia comer. Quando percebi o que estava acontecendo, voltei, almocei e tomei uma lata de refrigerante. Depois vi que minha glicemia estava em 30, quase zerada, correndo o risco de ter um coma na rua”, lembra.
Ele reflete sobre o cuidado em saber reconhecer os sintomas de hiperglicemia e hipoglicemia. Quando ele sentia tremedeira e começava a suar, ele já sabia que a glicemia estava baixa.
“O pior é quando a queda acontece de repente, sem aviso, como naquele dia. Geralmente, ando com uma barra de chocolate ou uma bala na mochila para essas emergências”, revela.
Mesmo com todos esses preparos, um dos maiores desafios na vida de Paulo é a alimentação. Inclusive, olhando para trás, ele vê que foi ela a ocasionadora do seu problema, já que em seu trabalho ele passava muito tempo sem comer e, quando comia, era muita besteira, como um salgado com refrigerante.
“Eu gosto muito de massas e acabo extrapolando de vez em quando, mas consigo me controlar melhor com doces como chocolate. É difícil ter uma alimentação muito regrada. Às vezes, a gente acaba extrapolando, comendo algo que não é permitido, descontrolando tudo”, desabafa.
A diretora do CIDH, Cristina Façanha, realmente confirma que as mudanças na alimentação são, muitas vezes, a parte mais difícil, já que mudar hábitos de uma vida inteira não é fácil, especialmente quando a alimentação anterior não era saudável.
“O tratamento da diabetes não depende apenas do médico prescrever um remédio e o paciente tomá-lo, mas sim se a pessoa vai entender o que está acontecendo e do ajuste dos medicamentos ao seu estilo de vida. É necessário que haja um 'encontro de contas' sobre até onde a pessoa consegue mudar”, afirma.
Para ela, o principal pilar do tratamento é a educação e o "empoderamento" do paciente sobre sua doença, já que ele precisa saber o que os remédios fazem e porque precisa de três medicamentos e não apenas um, ou porque precisa de insulina em vez de comprimidos.
“Se informe e entenda o que está acontecendo, sabendo o que precisa ser feito. O maior interessado em cuidar da sua saúde é você mesmo. Pergunte, saiba como, quando e onde, e tente ajustar o tratamento ao seu estilo de vida da melhor forma possível, buscando uma condição saudável que equilibre sua diabetes, e quando não der certo, volte à sua equipe de saúde”, aconselha.
Hoje, a alimentação de Paulo Roberto consiste em um ovo cozido com uma fatia de pão integral. No almoço, três colheres de arroz, três de feijão e bastante verdura. Nos lanches, uma fruta, e à noite, às vezes um terço de abacate com uma fatia de pão integral, ou duas colheres de arroz com um pouco de feijão.
“Tudo sempre sem exagero. Aos finais de semana, quando saio com meus filhos, às vezes acabo comendo uma pizza ou um sanduíche. Os médicos dizem que a postura de proibir totalmente não funciona, pois temos vida social. As pessoas acham que a diabetes é só sobre doces, mas não é”, comenta.
Ele lembra que o acompanhamento médico é fundamental e que é necessário seguir as orientações do médico e procurar um nutricionista para não ter complicações.
“Não adianta brincar; a regularidade no tratamento é essencial. No início do diagnóstico, tive um emagrecimento muito grande, parecia um esqueleto, e não era tanto pela diabetes em si, mas pelo medo de comer. É fundamental não ficar sem comer, mas sim seguir a dieta correta”, finaliza.
Simone Rebouças, 58 anos, que atuou por muito tempo na área de educação e hoje é aposentada, descobriu o diabetes tipo 1 há mais de 40 anos. Especificamente em 1984, época em que pesquisas e tratamentos mais avançados ainda estavam em processo de criação.
O amor por doce existia, mas foi a magreza repentina, junto com a sede e a fome incontrolável, que a levou ao médico, e sua glicemia já ultrapassava 500. Ela ficou internada e recebeu o diagnóstico logo depois, com 17 anos, sendo a primeira da família a conviver com a doença, nem seu filho teria.
“Após o diagnóstico, senti-me muito assustada e com medo, pois era algo novo. Olhava para os lados e não via ninguém com conhecimento de causa para me apoiar, apenas os médicos, que também estavam descobrindo como tratar a doença naquela época”, recorda.
Ela passou por processos muito desafiadores, como 13 dias hospitalizada para aprender a controlar a alimentação e a aplicar a insulina, onde as seringas eram de vidro e as agulhas eram grandes.
“Lembro de acompanhar as descobertas da ciência por meio de revistas e jornais, pois o assunto era raramente abordado na TV. Ninguém sabia como cuidar de uma pessoa com diabetes”, lembra.
Ela revela que o mais assustador foi lidar com a hipoglicemia, onde, uma certa vez, ao sair da escola para pegar o ônibus, começou a passar mal sem saber o que era. Acabou pedindo carona e indo para casa, colocando sua vida em risco sem enxergar direito.
“Naquela época, não existia o aparelho de glicemia. O controle era feito com um reagente. Colocávamos algumas gotas em uma amostra de urina e depois de aquecida, a cor resultante indicava o nível de açúcar. O adoçante era um comprimido horrível que se desmanchava no café”, detalha.
Além da alimentação, Simone foi muito afetada no seu convívio social, sempre sentindo que era vista diferente por suas restrições, se fechando mais ainda.
“Esse afastamento social foi muito difícil, especialmente por ser jovem e a comida ter um papel social tão importante, o que também afetou minha saúde mental. Comecei a me cuidar e me acostumar. Para onde eu ia, levava uma caixinha de isopor com a insulina e as seringas”, diz.
A mudança da rotina de estudante para uma jornada de trabalho intensa na fase adulta, sentada em frente a um computador e com muitas reuniões, desregulou seus cuidados. Com isso, e a futura gravidez, as consequências da diabetes logo surgiram. Ela convive com todas as “patias” relacionadas à diabetes: retinopatia, neuropatia e cardiopatia.
Ela também teve hiperglicemia. A gravidez foi de risco, aos 40 sofreu um infarto, aos 49 começou a ter dificuldades de visão e, hoje, perdeu a visão do olho esquerdo devido à retinopatia diabética. Faz apenas 10 anos que ela aprendeu a controlar melhor sua glicemia, com cuidados integrais e práticas de exercícios físicos.
“Minha rotina atual é rigorosa. Acordo, depois de um sono de qualidade, e meço a glicemia. Anoto o resultado e o que comi. Duas horas depois, meço novamente e registro. Faço isso antes e depois de todas as principais refeições. Esse controle me permite fazer um balanço do que posso ou não comer e ajustar as doses de insulina”, explica.
Para ela, a diabetes ainda precisa ser levada mais a sério, tanto pela sociedade quanto pelas próprias pessoas diagnosticadas. Um dos seus incômodos é ver como os jovens diabéticos se recusam a continuar o tratamento.
“Gostaria de dizer a eles para nunca desistirem, pois a diabetes é uma condição para a vida toda. Os cuidados que tenho são importantes para todos, permitindo o uso de menos medicamentos e menos adoecimentos. É preciso entender que as consequências são silenciosas e só se manifestam em estágios avançados", conclui.
Apesar da quantidade de novos tratamentos para diabetes e obesidade (como terapias com uso de células-tronco, formulações de insulina e medicamentos que visam o controle da glicemia e a perda de peso), o número de pessoas com alterações metabólicas que tem acesso a tais tratamentos, bem como a um plano de acompanhamento, ainda é considerado pequeno.
O médico endocrinologista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Bruno Geloneze, lembra a evolução dos tratamentos: "Entre os anos 1970 e o início dos anos 1990, foram descobertos hormônios produzidos pelo tubo digestivo, pelo intestino e até pelo estômago. Percebeu-se que pessoas com excesso de hormônios que dão fome ganhavam mais peso".
Além disso, com a cirurgia bariátrica e a perda de fome decorrente de dois hormônios (grelina e aumento do GLP1), houve mudança no rumo de algumas pesquisas, levando ao desenvolvimento de medicações baseadas na fisiologia do próprio organismo.
"Um medicamento assim pode ajudar no controle do diabetes e reduzir a fome", explica. O especialista destaca que as pessoas não imaginavam que remédios análogos ao GLP1 — como a semaglutida (Ozempic, Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro) — estimulariam a produção de insulina e passariam a melhorar a glicose, diminuir a fome e aumentar a saciedade". Esses medicamentos promovem a redução de peso em pacientes com obesidade e diabetes tipo 2, diminuindo também os riscos cardiovascular, de AVC e de insuficiência renal. "Estamos aqui, em termos de perspectiva, no melhor dos mundos", acrescenta o pesquisador. (Neila Fontenele)