O silêncio sobre o Alzheimer tem alimentado estigmas e atrapalhado as possibilidades de tratamento. A doença é considerada uma demência bastante comum, afetando parcela significativa da população brasileira. Existem outros tipos de demência (vascular, Corpos de Lewy e frontotemporal), sendo o Alzheimer o responsável por mais de 50% dos casos, que afetam uma população de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas no Brasil.
Por essa razão, foi estabelecida uma data para a conscientização sobre a doença. O dia 21 de setembro marca a campanha, com ações de alerta sobre diagnóstico e tratamento. Em Fortaleza, a A Associação Brasileira de Alzheimer realiza hoje, a partir das 7h30, a Caminhada pela Memória, na Avenida Beira-Mar (concentração no espigão do Náutico). O objetivo é alertar sobre o problema.
Segundo estudos publicados pela revista científica "The Lancet Regional Health- Americas", até 60% dos casos de demência poderiam ser prevenidos com a eliminação de 14 fatores de risco. A pesquisa, reforçada por um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), destaca a baixa escolaridade como o fator de maior impacto.
O neurologista Norberto Frota, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), explica a importância disso: "Se você eliminasse a baixa escolaridade, diminuiria em torno de 7% a 8% os casos de demência". Além da baixa escolaridade, há outros fatores de risco, como hipertensão, diabetes, hipoacusia (perda auditiva), privação visual e poluição do ar. Ou seja: o cuidado com questões metabólicas e com a qualidade de vida da população evitaria parte dos adoecimentos.
O diagnóstico de Alzheimer é feito por meio de critérios clínicos, com o apoio de biomarcadores que detectam o processo patológico no cérebro. No entanto, outros instrumentos estão sendo utilizados para comprovar o adoecimento. Infelizmente, nem todos têm acesso a tais exames, considerados avançados - entre eles, o neurologista cita o PET Scan com traçado amiloide. "Esse exame ainda é um desafio, já que ele não está incluído no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS)". Também há o aprimoramento em exames de sangue, o qual está sendo aguardado para uma maior precisão diagnóstica.
Os tratamentos com medicações estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas o acesso é dificultado pela necessidade de exames iniciais e de rotina. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância (Anvisa) aprovou o Donanemabe, um novo medicamento que pode ter impacto positivo no combate à doença para alguns pacientes, mas ainda não foi incluído no rol da ANS.
Embora o aumento da expectativa de vida seja um fator positivo, ele exige melhores cuidados para reduzir problemas neurodegenerativos. Infelizmente, ainda faltam dados epidemiológicos e ações concretas para entender os riscos de perda cognitiva na população.
Em sua dissertação de mestrado, defendida em 2023, o neurologista Raul Raposo Pereira Feitosa utilizou questionários para avaliar mudanças cognitivas. Para isso, ele treinou agentes comunitários de saúde de Pindoretama, no interior do Ceará, para uma triagem de pacientes acima de 60 anos com risco de demência.
Segundo Feitosa, apesar de ser um município pequeno, Pindoretama possui um sistema de saúde organizado. O trabalho realizado mostrou a eficácia desse processo de triagem, convidando, posteriormente, diversos pacientes para uma segunda avaliação com o neurologista.
Ao cruzar os dados, o número de falsos positivos para demência foi pequeno, demonstrando que a triagem feita pelos agentes comunitários pode ser uma forma eficaz de intervenção em saúde.
Em Pindoretama, de 207 pacientes avaliados, 20,78% apresentavam demência, mas apenas 6,98% tinham o problema reconhecido. Um dado também chamou a atenção: 51,21% dos avaliados eram analfabetos. O médico ressalta a importância de combater as subnotificações. "Existe uma normalização da perda cognitiva e de memória pela população. A verdade é que essa é uma questão negligenciada", conclui.
O Alzheimer, assim como outros tipos de demência, deve ser tratado por uma equipe multidisciplinar. O problema não afeta apenas a autonomia e a qualidade de vida do paciente, mas também familiares e cuidadores. O psicólogo José Pereira Maia Neto, especialista em saúde mental e em saúde do idoso, destaca a importância da análise do comportamento e da neuropsicologia no tratamento e na estimulação cognitiva.
Maia Neto também ressalta que a tecnologia digital pode ser grande aliada: "O celular do próprio indivíduo, com o uso de calendários, alarmes e anotações, pode ampliar a probabilidade de o idoso se lembrar de nomes e compromissos".
Pesquisas recentes indicam que intervenções psicológicas, como terapia, treinamento cognitivo e reabilitação neuropsicológica, podem retardar o declínio cognitivo e minimizar sintomas como ansiedade, depressão e agressividade.
Em resumo, a atuação da psicologia no combate ao Alzheimer é um processo contínuo que combina modificação do ambiente, estratégias de estimulação cognitiva e suporte emocional, visando à dignidade, à autonomia e ao bem-estar de todos os envolvidos.
Esses trabalhos podem ser realizados tanto para auxiliar na prevenção e no tratamento precoce quanto ajudar no apoio psicoterápico para a família.