Disse essa frase para a amiga Rita, dez anos mais nova que eu, e ela pulou:
— Impossível! A desnaturalização da Terra chegará antes do mundo ter só velhos. Estamos envelhecendo, sim, mas muito mais ativos! Nem pensar nesse fim em que só se ouviria o estalar de bengalas no chão. Não, o que vivemos é a revolução da longevidade, como disse Alexandre Kalache no curso da Casa Folha.
Maneirei a ideia:
— Rita, deixemos o fim do mundo de lado e veja essa evolução. Em 1940 vivíamos apenas 45 anos. Em 2025, chegamos a 76,8 a (IBGE). Em menos de um século, ganhamos mais de 30 anos de vida. Esse salto redefine família, trabalho, cultura e políticas públicas. Também enche de velhos os espaços onde escolhem viver. Em 2070, seremos 38% da população — mais de 75 milhões de brasileiros.
Rita tocou meu ombro:
— Estamos envelhecendo mais rápido do que a Europa, que levou séculos. O Brasil o faz em poucas gerações. E sem enriquecer, o que amplia desafios. Somos heróis sem poderes: vivemos mais, mas na invisibilidade.
Concordei:
— É preciso brindar as razões da "bela velhice" no conceito de Mirian Goldemberg, cuja liberdade pode guiar o futuro que desejamos.
— Como? — Rita se afligiu.
Respondi:
— Antes de tudo, estamos seguros pelo Sistema Único de Saúde (SUS), universal e integral. A Atenção Primária à Saúde e o Programa Saúde da Família aproximam equipes multiprofissionais, garantindo prevenção, acompanhamento e cuidado contínuo. Os Agentes Comunitários de Saúde levam atenção domiciliar, reduzem a mortalidade infantil, incentivam a vacinação, identificam doenças crônicas e as vigiam. O Programa Nacional de Imunizações garante proteção em massa.
Rita insistiu:
— Mas será só isso para cabermos num mundo repleto de exigências ao bem viver?
Disse:
— Será preciso mais. O sistema previdenciário terá de ser repensado: haverá menos jovens para sustentar financeiramente os velhos. É fundamental a permanência dos idosos na vida ativa, novas formas de contribuição e o estímulo à economia prateada, voltada para produtos, serviços e inovações.
No futuro, precisaremos de mais cuidadores, integração entre saúde e assistência social, incentivo ao autocuidado e promoção do envelhecimento saudável. Educação continuada, lazer e exercício físico devem nos acompanhar, assim como o combate ao etarismo — preconceito que fragiliza o idoso profunda e emocionalmente.
Rita firmou a voz:
— Queremos cidades inclusivas, acessíveis e amigas dos velhos, com transporte adaptado, moradias seguras e espaços de convivência.
E, brincando com a provocação inicial, diante do que se disse e que poder-se-iam criar e desenvolver em favor de uma longevidade livre, sadia e bem disposta, concluímos: talvez o "fim do mundo" só venha quando restarem apenas velhos sobre a Terra. Até lá, viver mais é conquista. Viver bem é escolha coletiva.