O que você considera como bem-estar em sua vida? Quais são as práticas que você vem realizando que beneficiam sua saúde física e mental? No mundo pós-pandemia e cada vez mais conectado, a procura por atividades, hábitos e hobbies que nos desconectem dessa realidade se faz cada vez mais necessária.
E nesse jogo, o mercado de wellness, que abrange práticas voltadas ao cuidado físico e mental, não perde sua oportunidade e está cada vez mais em expansão. Segundo dados do Global Wellness Institute (GWI), entre 2020 e 2022, o setor cresceu 12%, movimentando cerca de 5,6 trilhões de dólares globalmente.
Até 2027, é esperado um crescimento adicional de 57%, atingindo US$ 8,5 trilhões (R$ 41,7 trilhões). No Brasil, o mercado atingiu aproximadamente 96 bilhões de dólares, com destaque para os segmentos de cuidados pessoais e alimentação saudável, que juntos somam 69,6 bilhões — colocando o país em 12º lugar no ranking mundial.
E mesmo com esse crescimento, uma contradição persiste em se manter: o desafio de melhorar a saúde mental. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil lidera o ranking global de estresse, com 74% da população enfrentando episódios que comprometem a qualidade de vida.
Já o Ministério da Saúde mostra que 45% dos brasileiros relatam sintomas de ansiedade, sobretudo mulheres e jovens de 18 a 24 anos, os mais impactados. E você tem prazer no que considera prática de bem-estar?
O conceito do que é bem-estar, para Tatiana Tostes Vieira, psicóloga de 48 anos, é amplo e difícil de ser conceituado, especialmente em um contexto no qual ele está sendo tratado mais como um produto de mercado.
"O bem-estar tem sido vendido como se fosse algo que pudéssemos buscar na prateleira, quando, na verdade, é algo muito subjetivo. Posso encontrá-lo deitado em uma rede, olhando para o céu, ou naquilo que remete a uma memória feliz. Ele não é um produto a ser consumido, e vê-lo dessa forma gera tanta tensão quanto qualquer outra situação da vida cotidiana", explica.
Segundo ela, a lógica do bem-estar deve seguir no sentido contrário, o da espontaneidade, buscando o momento com leveza, já que quando ele é colocado em uma condição de obrigatoriedade, com regras e produtos a serem vendidos, pode desencadear tensão, angústia e ansiedade.
"O bem-estar está na conexão do sujeito consigo mesmo, com aquilo que não se articula com o tempo cronológico — contado, medido e tensionado — nem com a lógica do capitalismo", lembra.
Janara Pinheiro, psicóloga clínica, alerta sobre a lógica do bem-estar ter se tornado um luxo, tendências essas que acabam impedindo a singularidade das pessoas.
"No consultório, eu digo aos pacientes que a corrida, por exemplo, não faz bem para todo mundo. O capitalismo lucra com esse ideal e, o que deveria trazer saúde, acaba adoecendo as pessoas. Virou algo comercial e estético, com roupas de marca e eventos caros, tornando-se inalcançável para muitos, e quando alcançamos isso, já está defasado".
Ela revela que muitos dos seus pacientes que começam a fazer atividade física se sentem mal na academia por ser um ambiente de espelhos, performance e desfile, onde acabam se sentindo inadequados.
"Na psicologia, diferenciamos o ócio criativo do lazer. O lazer é consumista, enquanto o ócio é algo criativo, que permite desacelerar e fazer algo com prazer, sem a pressão de se desafiar o tempo todo. É sobre gerar saúde para si e entender que, no dia em que não quiser ir, está tudo bem, não há culpa", destaca.
Nesse contexto, muitas pessoas podem desenvolver dependências, como a vigorexia (excesso de musculação), que gera adoecimento em vez de saúde.
"A pessoa viaja e sente a obrigação de malhar, senão a culpa aparece. Isso é diferente de querer conhecer uma cidade nova com uma corrida leve; a diferença está na ausência de culpa se você não for. O trabalho em excesso também nos suga, aumenta o estresse, baixa a imunidade e adoece. Dormir é essencial para a imunidade, e muitas pessoas não estão dormindo", finaliza.
A psicóloga Tatiana Tostes Vieira lembra que, ao entrar na lógica do desempenho, que se articula com o capital e a motivação, você engrena em um mecanismo competitivo, adoecedor e comprometedor para sua saúde mental, como acontece em práticas de exercícios físicos.
"Não é sobre o volume de peso que você levanta ou o número de repetições que faz. Ela se relaciona com o prazer de movimentar o corpo, de não ser sedentário, de encontrar pessoas e estabelecer vínculos. Hoje, a corrida de rua, algo que era acessível, exige o melhor tênis e inscrições cada vez mais caras. A função do esporte é agregar, unir e incentivar a participação, não excluir", avalia.
Segundo ela, é preciso reivindicar por mais espaços abertos, parques e praças pela cidade, e usufruir disso com outras pessoas, algo que nos conecta e está muito próximo de gerar bem-estar.
"Atividades manuais também podem ser feitas nesses ambientes. A geração que fazia crochê, por exemplo, não está muito distante. Podemos nos sentar em uma praça, e uma pessoa pode ensinar a outra, sem que tudo precise ser monetizado. Há muitas coisas que podemos fazer em conjunto, conversando, como resgatar jogos de tabuleiro, jogar baralho ou fazer gincanas", finaliza.
O neurocirurgião Luiz Bevilaqua explica que, na visão da neurociência, o bem-estar é o equilíbrio entre os sistemas que regulam a emoção, a cognição e o corpo. "Isso envolve uma interação saudável entre uma região do cérebro chamada córtex pré-frontal, responsável por planejamento e autocontrole, o sistema límbico, ligado às emoções e aos circuitos de recompensa mediados pela dopamina. Bem-estar não é ausência de problemas, mas a capacidade do cérebro de responder ao estresse de forma adaptativa, mantendo resiliência, propósito e prazer em viver", acrescenta.
Portanto, quando buscamos o bem-estar de forma positiva, o cérebro entra em um estado de neuroplasticidade saudável, reforçando conexões ligadas à motivação, ao prazer e ao equilíbrio emocional. "Áreas como o córtex pré-frontal, responsável pelo planejamento e autocontrole, o hipocampo, ligado à memória e aprendizado, e o núcleo accumbens, centro da recompensa, passam a trabalhar de maneira mais integrada. Isso favorece um cérebro mais adaptável e resiliente", ressalta.
O médico lembra que esse processo é diretamente associado à liberação de neurotransmissores e hormônios que protegem a mente e o corpo. "A serotonina ajuda a regular o humor, o sono e o apetite; a dopamina impulsiona a motivação e o senso de propósito; as endorfinas baseiam a percepção da dor e ampliam a sensação de prazer; e a ocitocina, estimulada especialmente pelas conexões sociais, fortalece vínculos e confiança." Ao mesmo tempo em que tudo isso acontece, ele reforça que há uma redução significativa do cortisol, do hormônio do estresse específico, que, quando em excesso, prejudica o sistema imunológico e favorece o adoecimento.
Ou seja, do ponto de vista clínico, esse equilíbrio se traduz em benefícios amplos: menor risco de depressão, ansiedade e burnout, além de um sistema imunológico mais robusto e menos vulnerável à inflamação crônica.
Ana, Cláudia, Débora, Kátia, Lúcia, Miriam, Célia, Sandra, Neila, Norma e Fábia. Elas fazem parte do "Jazz 50 +" , grupo de mulheres comandado pela professora Ana Sanford, pioneira nessa modalidade, em Fortaleza, para mulheres maduras.
A bailarina, pedagoga e psicopedagoga tem mestrado em Dança e Autismo, e criou o primeiro grupo de Jazz 50 + em 2013. De lá para cá, ela tem acumulado experiências e oferecido momentos prazerosos de leveza e descontração através da dança para vários tipos de público.
Na sala de aula, Ana lembra o quanto o jazz (dança) oferece uma relação prazerosa com o nosso corpo, permitindo uma melhora da autoestima, com exercícios para funções cognitivas: memória, espacialidade, força e equilíbrio, além das sensações de prazer e bem-estar. "Dança é alegria", acrescenta.
Desde agosto deste ano, a professora retomou essa trajetória do "Jazz 50 +" na Academia Michelle Fontenelle. O grupo, com onze mulheres (até agora), possui vários perfis, mas todas elas têm uma coisa em comum: o gosto pelo movimento e a busca por mais saúde.
Quem se aventura a requebrar diante do espelho provavelmente vai se deparar com uma grata surpresa: você pode mais e um pouquinho mais a cada momento que aprende novos movimentos.
O jazz também utiliza passos do balé clássico, como o "pas de bourrée" (que consiste de três movimentos: um passo para o lado, um cruzar de pernas e outro passo para o lado, geralmente em meia-ponta). As aulas, realizadas duas vezes por semana, não possuem restrição de idade.
Os movimentos adaptados para um público mais maduro são embalados por clássicos do pop dos anos 1970 e 1980, lembrando as antigas aulas de "dança moderna" que alegraram as adolescentes daquele período.
Com essa química entre som e movimento, a turma se entrega à diversão, motivada ainda pela professora com suas palavras de ordem: "soltem a loba!". Depois dessa experiência, só resta contar o segredo: a vontade de sair uivando para a lua. (Neila Fontenele)
A yoga é uma prática milenar e uma das principais expressões culturais da Índia. Nas últimas décadas, transformou-se em fenômeno global com várias adaptações, impulsionada pela ampliação do segmento de bem-estar. Dentre essas adaptações, encontram-se práticas em locais inesperados, como espaços abertos e museus, e até a participação de animais, como cabras e bodes.
No Ceará, uma das modalidades que tem chamado a atenção, principalmente do público jovem, é a Hot Yoga. Realizada em um estúdio aquecido a 40 graus, combinando posturas físicas, técnicas de respiração e meditação, a experiência proporciona uma sensação de relaxamento e limpeza.
A administradora Rafaelle Montenegro e o economista Paulo Fernandes moravam em São Paulo quando começaram a praticar a hot yoga, e resolveram investir no Vidya Studio, em Fortaleza, adaptado para essa prática. Eles contam que o fato de o espaço estar aquecido proporciona uma sensação de relaxamento maior, permitindo a lubrificação das articulações e dos músculos, e também um alongamento mais profundo.
"A yoga traz realmente uma consciência corporal. É uma meditação em movimento", acrescenta Rafaelle, lembrando o quanto a prática gera bem-estar. (Neila Fontenele)