Os suplementos alimentares, importantes para corrigir deficiências nutricionais, se transformaram, em vários momentos, em uma tentação para quem deseja resultados rápidos na saúde e na estética. Essa prática e o uso excessivo e indiscriminado, entretanto, podem levar a efeitos colaterais e até a problemas como toxicidade renal e hepática.
Portanto, é importante saber o que realmente o corpo precisa. Na alimentação, principal fonte de nutrientes, os suplementos auxiliam com o que não for obtido, seja por uma deficiência nutricional, uma incapacidade de absorção ou até mesmo por uma dieta que precisa ser adotada.
Desde vitaminas e minerais até proteínas e aminoácidos, esses nutrientes se apresentam em cápsulas, pó, comprimidos, batidos e até como balinhas. Em 2024, houve um crescimento significativo desse consumo, conforme estudos da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD).
A ingestão de vitaminas, por exemplo, cresceu 9,3% entre janeiro e dezembro, em comparação com 2023. Já os concentrados de proteínas registraram um avanço de cerca de 3% no mesmo período.
Em nível global, projeções apresentadas pela Fusões & Aquisições apontam que esse mercado segue em expansão e deve ultrapassar US$ 239 bilhões até 2028. No Brasil, o segmento de produtos naturais já movimenta cerca de US$ 35 bilhões por ano, conforme dados da Euromonitor International.
Já um relatório da Mordor Intelligence colocou o nosso país como o maior mercado consumidor de proteína do soro do leite na América do Sul, sendo responsável por mais de 58% do mercado. A projeção é que o consumo continue crescendo a uma taxa anual de 8% entre 2024 e 2029.
Por outro lado, enquanto procuramos suprir o déficit nutricional do nosso corpo com esses suplementos, nossa alimentação segue outro rumo. No Brasil, o consumo de arroz e feijão, prato tradicional e extremamente nutritivo, atingiu o menor nível desde os anos de 1960, conforme dados da Embrapa.
O consumo de arroz caiu de cerca de 40 kg ,em 1985, para 28,2 kg, em 2023, enquanto o feijão recuou de 19 kg para 12,8 kg no mesmo período. Já o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) revelou que, nos últimos dez anos, o consumo de alimentos ultraprocessados pelos brasileiros teve um aumento médio de 5,5%.
A mudança nos hábitos alimentares, o ritmo de vida urbano, o tamanho menor das famílias e o custo dos alimentos estão entre os fatores que explicam essa tendência. Para a nutricionista Raquel Saratt, especialista em emagrecimento e metabolismo, a nutrição não deve ser algo inviável, impossível ou distante.
“As pessoas precisam entender que podem se alimentar melhor com os alimentos que já conhecem. A suplementação surge como uma adição daquilo que o alimento não consegue fornecer, seja por uma demanda aumentada, como a prática regular de exercícios físicos, uma determinada idade avançada, uma condição física específica ou alguma irregularidade”, explica.
A especialista comenta que cada fase da vida tem uma demanda nutricional específica: a criança, o adolescente, a mulher gestante, o atleta e o idoso, já que as necessidades são individuais. E mesmo se alimentando adequadamente, a perda de nutrientes pode ocorrer desde a preparação dos alimentos até questões intestinais de absorção.
“São vários fatores que podem gerar uma deficiência, como nas mulheres, que muitas vezes têm deficiência de ferro por conta do período menstrual. O ferro, por exemplo, pode ter sua absorção prejudicada se for consumido com cálcio, já que disputam o mesmo sítio de absorção. Ao mesmo tempo, você pode fortalecer essa ingestão com vitamina C”, exemplifica.
Sobre o crescimento do consumo de suplementos atualmente, a nutricionista aponta a influência da tendência do mercado e fatores relacionados à pandemia, ao aumento da obesidade e aos maus hábitos alimentares.
Para adequar a suplementação de forma correta, Raquel lembra da necessidade do questionamento, para entender o motivo pelo qual a pessoa quer suplementar e o que ela está procurando.
“Acreditar que a suplementação resolve tudo é uma tentativa de facilitar as coisas. Na maioria das vezes, uma boa alimentação vai ser o suficiente. A nutricionista lembra que o básico é ter uma boa fonte de proteína em pelo menos três refeições ao longo do dia e dar preferência a alimentos naturais e não ultraprocessados, além de consumir frutas, legumes e verduras. Já os alimentos "light" ou "diet" são destinados a grupos específicos e não são necessariamente a melhor opção.
“É importante valorizar nossa cultura alimentar. O padrão alimentar brasileiro é maravilhoso, acessível e rico. Quando for necessário consumir alimentos processados, é possível fazer escolhas melhores. Hoje, existem barras de proteína de boas marcas, com menos conservantes e mais naturais. A dica é aprender a ler rótulos, que possuem uma lupa que sinaliza o excesso de algo”, finaliza.
A endocrinologista, Karina Sodré, explica que hoje existem evidências sólidas para a eficácia de alguns suplementos em cenários específicos, como a creatina, que aumenta a força muscular máxima e melhora o desempenho em exercícios de alta intensidade e curta duração.
Porém, a decisão de suplementar deve ser tomada com a orientação de um profissional de saúde qualificado (médico ou nutricionista), após uma avaliação completa da dieta, histórico médico e, se necessário, exames bioquímicos.
“Na endocrinologia, recomendamos também para corrigir deficiências de nutrientes que afetam o metabolismo e, consequentemente, a saúde hormonal. Indicamos também o iodo, essencial para a síntese de hormônios tireoidianos, e cálcio, especialmente em pessoas com intolerância à lactose e nas mulheres na menopausa”, explica.
Para a especialista, é crucial distinguir a suplementação nutricional da prática de modulação hormonal, ou "medicina anti-aging", com hormônios bioidênticos, para fins estéticos ou de performance.
Ela destaca que as principais sociedades médicas proíbem ou não reconhecem o uso de terapias hormonais para retardar o envelhecimento em pessoas que não apresentam deficiência hormonal comprovada por critérios diagnósticos científicos.
“O uso de hormônios sem necessidade clínica acarreta riscos graves (como doenças cardiovasculares, acne, queda de cabelo e o potencial desencadeamento de certos tipos de câncer) e é frequentemente justificado por diagnósticos não aceitos pela comunidade científica”, afirma.
Antes de procurar aderir a suplementos em sua dieta, a endocrinologista lembra também a importância de optar por aqueles com selos de qualidade, já que os irregulares ou comprados em canais não oficiais aumentam o risco de contaminação e fraude.
“Não exceda a dosagem recomendada pelo profissional de saúde e sempre mantenha uma avaliação contínua. Suplementos são ferramentas coadjuvantes para a saúde e a performance em casos específicos, mas nunca devem substituir uma alimentação balanceada e a orientação profissional”, conclui.
A rotina de Cleunice Paterno, de 31 anos, é intensa e corriqueira como a da grande maioria dos brasileiros. Além de mãe, ela é dentista e atleta amadora, completando ciclos de treino de corrida com distâncias de até 10 quilômetros e meia maratona.
O uso da suplementação começou quando ela iniciou a musculação e treinos de força, já que precisava de uma recuperação muscular e desempenhos melhores. Whey protein, creatina, magnésio e pré-treinos estão em sua dieta, mas a dentista sempre prioriza extrair os nutrientes da própria comida.
“Eu percebo que cada suplemento tem uma função específica, mas o mais importante é entender que eles são secundários. Penso que a grande jogada está no tripé: sono, alimentação e a periodização dos treinos. O suplemento entra para dar um plus”, enxerga.
A creatina, que ela usa há muitos anos, melhorou seu rendimento nos exercícios, e o whey protein se faz necessário porque ela não vinha conseguindo atingir sua meta diária de proteínas com a alimentação.
“É fundamental entender que existem suplementos para substâncias que nosso corpo não produz e que a abordagem deve ser individualizada. Daí a importância de fazer exames. Eu nunca utilizei uma suplementação pronta de mercado sem antes saber o que meu organismo realmente precisa”, diz.
Para Cleunice, infelizmente, mesmo quem tem uma alimentação equilibrada e uma boa qualidade de vida, a suplementação se torna necessária, já que hoje muitos dos alimentos são deficientes e não possuem a carga de nutrientes que deveriam ter.
“Existe um marketing e um modismo muito grande na indústria da suplementação. As pessoas acham que vão tomar um suplemento e tratar um problema ou melhorar magicamente a qualidade de vida. Vejo pessoas totalmente inflamadas, sem um estilo de vida saudável, com potes e potes de suplementos, achando que aquilo vai salvá-las”, relata.
A experiência da dentista a faz lembrar que não adianta suplementar se você não organizar seu ciclo circadiano e não entender como seu corpo funciona fisiologicamente. Sua principal indicação é sempre ter um profissional como base e exames laboratoriais em dia.
“Você não pode usar o suplemento da amiga ou da irmã, porque somos seres individuais. A carência nutricional hoje é grande. É preciso olhar para o corpo de forma diferente, pois a reparação celular só acontece enquanto dormimos. O que funciona é o básico, com uma alimentação bem distribuída”, finaliza.
Os suplementos costumam estar presentes em dietas de diferentes estilos, como a do recente campeão mundial de fisiculturismo, Raman Dino, conhecido como o “Dinossauro Acreano”, cuja rotina alimentar, além de contar com uma suplementação diária voltada para o ganho de músculos, é bastante restrita e regrada, centrada em muitas proteínas, como ovo, peixe, frango e carboidratos.
O atleta de 1,81m de altura e 101 kg de puro músculo já chegou a comer 1 kg de carne diariamente. Partindo para o lado oposto, Letícia Rodrigues, maquiadora de 26 anos, escolheu retirar a carne totalmente de sua alimentação.
Sua dieta é vegetariana, e a única semelhança com a de Raman é o uso contínuo de suplementos. Além da vitamina B12 e do ferro, Letícia toma também vitamina D, por conta de uma deficiência causada por sua endometriose.
O seu nível de B12 nunca baixou devido ao vegetarianismo, já que sempre absorveu bem os nutrientes dos vegetais, mas sua nutricionista sempre optou por manter seu nível acima da média para evitar consequências futuras.
“Já a vitamina D e o ferro são suplementados periodicamente, a cada alguns meses, de forma menos contínua que a B12. Com a suplementação de todos esses elementos, percebo uma melhora real na disposição, na qualidade do meu sono e até no aprendizado”, afirma.
Para a maquiadora, a necessidade de suplementar vitaminas vai além de uma escolha por dieta ou alguma restrição alimentar, mas é uma questão de qualidade de vida em muitos casos.
“Hoje, o único derivado de animal que consumo é o ovo; todo o restante é de origem vegetal. O maior desafio que encontro com essas escolhas, que na verdade são uma forma de proteção para o meu corpo, é a falta de opções em restaurantes e outros espaços”, comenta.
Segundo Virginia Albuquerque, nutricionista vegana especialista em nutrição vegetariana, a suplementação da vitamina B12 se faz necessária nesse estilo de dieta porque não existe nenhuma fonte vegetal dessa vitamina.
“E isso não ocorre porque ela é de origem animal, mas sim bacteriana. Nós também produzimos B12, mas isso acontece no intestino grosso, fora do nosso campo de absorção, que fica no intestino delgado, o que nos impede de nos beneficiar dela. Todo vegano precisa suplementar a vitamina B12 por toda a vida”, explica.
A deficiência de B12, no entanto, não é exclusiva dos veganos, pois não se trata apenas de ingestão, mas também de absorção. Muitas pessoas que comem carne não conseguem absorvê-la por vários motivos, como cirurgias bariátricas ou o uso de antiácidos, já que o ácido do estômago é essencial para a absorção.
“É uma questão complexa, pois comer carne é algo muito cultural, associamos esse alimento à proteína, e a verdade é que toda proteína vem das plantas. Os aminoácidos, que formam as proteínas e que de fato absorvemos, acumulam-se nos tecidos dos animais, e nós nos beneficiamos ao consumi-los. Quem não come carne, na verdade, consome proteína de outras fontes”, revela.
A especialista lembra que, muitas vezes, uma pessoa que come carne não se alimenta bem, não consome frutas, verduras ou legumes, e tem uma baixa ingestão de fibras, e ao migrar para o vegetarianismo, ela tende a levar esses maus hábitos.
“É por isso que muitos se sentem cansados, fracos e anêmicos: não por causa do vegetarianismo, mas sim da má alimentação. Com um acompanhamento nutricional que adeque as calorias, os macronutrientes (proteínas, gorduras e carboidratos) e os micronutrientes (vitaminas, minerais e fibras), é possível obter todos os benefícios dessa alimentação”, finaliza.