Reza a sabedoria popular que a maresia da Praia do Futuro só perde para o Mar Morto. Não há, no entanto, estudos científicos que comparem a maresia dos dois lugares, comprovando esse ranking. Para Rivelino Cavalcante, professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a crença popular pode até ter fundo de verdade, mas mira no aspecto errado. Se no lago represado no Oriente Médio a alta salinidade — em torno de 250 miligramas por litro (mg/L) — pode explicar a maresia; nos mares de cá — com proporção de sal de cerca de 35 mg/L — não é a salinidade que prepondera na maresia e, sim, a dinâmica dos ventos.
O spray marinho, conhecido como maresia, é composto de 96% de água e 4% de sais e se forma pela dispersão da água do mar na atmosfera. Em Fortaleza, com ventos entrando na Cidade, predominantemente, de leste a sudeste, é a Praia do Futuro a área mais afetada.
“Perto da Linha do Equador, a evaporação é maior e o aporte dos rios é menor. Temos salinidade levemente mais alta no comparativo com regiões temperadas. Mas, nada comparado ao Mar Morto. Esse mito da maresia da Praia do Futuro começou, talvez, pelo ataque às estruturas ali construídas.
Não procede, porém, porque se ancora no parâmetro errado”, explica.
Caso fosse a quantidade de sal do mar o fator de maior importância para o spray marinho, Praia do Futuro e Praia de Iracema, banhadas por águas de características semelhantes, apresentariam mesmo grau de maresia. O que não acontece. “O vento entra em Fortaleza pela Praia do Futuro quase de frente, e chega quase nas costas da Praia de Iracema. A maresia ali é bem menor, porque ainda é enfraquecida pelas barreiras naturais ou construídas”, diz Cavalcante.
À frente de estudo, feito entre outubro de 2015 e outubro de 2016, com o objetivo de medir a agressividade por íons cloro no ar em Fortaleza, a arquiteta Ana Mara da Rocha Campos, mestre em Engenharia Civil pela UFC, demonstrou a discrepância entre a concentração de cloreto no ar das duas faixas da nossa costa litorânea. Enquanto a concentração máxima de íons cloro na Praia de Iracema foi de 632,91 miligramas por metro quadrado por dia, a máxima da Praia do Futuro é de 5.285,06 mg/m².d — mais de oito vezes maior. Outro ponto que comprova a relevância dos ventos: as concentrações máximas são maiores entre julho e setembro, quando as velocidades do vento também cresce. Umidade do ar e temperatura também influenciam a maresia.
A pesquisadora ainda buscou estudos similares, com mesma metodologia, para comparar a Praia do Futuro a outras cidades. Se não há como comparar com o Mar Morto, na disputa com outras oito cidades brasileiras e dez pelo planeta, “a Praia do Futuro apresenta a maior agressividade por cloreto do mundo”, com teor de concentração íons cloro muito superior a todas elas.
No Brasil, tomando por referência dados coletados a até 60 metros de distância do mar, a Praia do Futuro apresenta a maior média de concentração em relação às outras cidades (1.498,77 mg/m².d) — 158% maior que o valor encontrado na cidade com o valor mais próximo: 590,77 mg/m².d em São Francisco do Sul, em Santa Catarina. A Praia do Futuro é ainda 87,34% mais agressiva que uma cidade de Nigéria, na segunda colocação no mundo.