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O espelho como inimigo
Ciência e Saúde

O espelho como inimigo

| Autoimagem | Quando a dificuldade de aceitar algum defeito físico é exacerbada, é preciso tomar cuidado
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A maioria das pessoas sabe o que é se sentir incomodada com uma parte do corpo. Se sentir feia. Mesmo coberto, sobre roupas ou maquiagem, um defeito (ou a sensação de ter um) expõe e fragiliza quem o carrega. É como estar nu. Por vezes, isso distorce, inclusive, a própria imagem no espelho. É como se aquilo que incomoda no corpo ? perceptível aos outros ou não ? ficasse cem, mil vezes maior. Em casos extremos, isso pode ser uma patologia: o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC).

 

O termo é recente na medicina, mas o quadro já existia, chamado de "Síndrome de Quasímodo". A nomenclatura evoca o personagem da obra de Victor Hugo, "O Corcunda de Notre Dame". No romance, o protagonista, que nasceu com "uma enorme verruga que cobre seu olho esquerdo e uma grande corcunda", vive afastado e é temido pelos habitantes da região.

[SAIBAMAIS] 

No TCD, a pessoa acredita que uma parte do corpo é repulsiva, feia, desagradável. "Ela tenta operar, maquiar, evitar. Tem sintomas sociais graves, evita o contato social, se sente observada e passível de críticas", explica Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

 

O transtorno é mais comum em populações que buscam procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, conforme o psiquiatra. Segundo Aratangy, até 15% dos pacientes que procuram a realização de rinoplastia têm o transtorno. "Todo transtorno mental pode ser visto como uma exacerbação de uma característica normal. Como desconfiança e paranoia, medo e fobia. A preocupação com corpo, saúde e alimentação é normal, quando é obsessiva, repetitiva e impede o funcionamento do indivíduo, é patológica". 

 

Classificado como um transtorno de ansiedade, o TCD tem um componente obsessivo e "pode ter um componente compulsivo, que tem como objetivo reduzir ou disfarçar a tensão emocional de uma obsessão". "Compulsões em comportamentos que visem reduzir a vivência com o defeito ou disfarçá-lo. Uso de maquiagem, acesso a procedimentos cosméticos e até cirurgias plásticas repetitivas" explica. A regra é que a doença venha associada com outros transtornos mentais, como como a fobia social, transtorno do pânico, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), transtornos alimentares como anorexia e bulimia nervosa, e quadros depressivos. Um dos subtipos é a vigorexia, quando, por mais que alcance hipertrofia, a pessoa tem a impressão de que o corpo é fraco. 

 

De acordo com a psicóloga Izabelli Frota, para a doença ser diagnosticada é necessário que se enquadre em quatro critérios. "A preocupação com um defeito na aparência física (que aos olhos de outras pessoas é insignificante); comportamentos repetitivos como se olhar várias vezes no espelho, pedir a todo momento opinião sobre o defeito, se comparar excessivamente em relação a aparência dos outros; interferência significativa na relação familiar, social e ocupacional, dentre outras; distinção de outro transtorno mental, como bulimia, anorexia".

 

Estar insatisfeito com a própria imagem corporal e querer aperfeiçoá-la é próprio dos tempos atuais, avalia Joana de Vilhena Novaes, professora da Universidade Veiga de Almeida e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). "Você tem no corpo um locus de investimento primordial da contemporaneidade".

 

O distúrbio é identificado quando a percepção em relação ao corpo afeta os espaços onde o sujeito vive, interferindo negativamente no trabalho, sociabilidade em geral e amor. "Passa a se sentir constrangido, não querer expor o corpo, passa a malhar duas, três horas progressivamente, deixa de ir à praia, só anda com quem tem uma rotina severa, começa a querer se esconder nas roupas. O nível compulsivo de uma prática que era saudável", compara a psicóloga.

 

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