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Os desafios em ser mulher e pesquisadora
Ciência e Saúde

Os desafios em ser mulher e pesquisadora

Discriminações, estereótipos de gênero, jornada dupla e maternidade são alguns aspectos se que no caminho das cientistas
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"Quando eu fiz graduação, nunca passou pela minha cabeça fazer Agronomia ou Zootecnia, mas eu queria trabalhar com o rural e eu fui pelo caminho da Sociologia, que é um lugar ainda visto como feminino", lembra Laeticia Jalil, professora na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). "Elementos do nosso cotidiano vão historicamente limitando o espaço das mulheres na ciência e na pesquisa e um deles é essa visão que separa 'profissões de meninos' e 'profissões de meninas'."

Os desafios de ser mulher e pesquisadora são diversos e sentidos em diferentes áreas. "O que a gente percebe é que ao longo do tempo os espaços relacionados ao saber fora de casa, relações políticas e sociais construídas fora de casa são espaços na maioria das vezes representados por homens", analisa a zootecnista Andrea Sousa Lima.

"Outro desafio é a divisão do trabalho em casa. As meninas têm que dedicar um tempo para ajudar as mães e isso não é visto como trabalho. É um desafio para ter tempo de ir à escola, estudar, fazer o vestibular e ir à universidade", ponta Andrea que também é especialista em educação do campo. Ser mãe é mais um fator que se soma às vivências das pesquisadoras. "Cuidar é um trabalho, não é dom ou dádiva, a gente não nasce sabendo cuidar. E quando a menina engravida na adolescência é ela quem tem que assumir esse cuidado que é um trabalho e desiste dos estudos", afirma Laeticia.

Sendo mãe de um menino, a socióloga aponta que é necessário reconhecer o trabalho de cuidados com filhos e com a casa. "Quantas mulheres vocês conhecem que chegam em casa do trabalho e ainda têm que cuidar dos filhos, da casa, da janta? E quantos homens que chegam, jantam e vão terminar seu paper? Isso está por trás da produtividade da gente." No Brasil, em 2018, as mulheres que trabalham fora de casa dedicaram aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos cerca de 8,2 horas a mais do que os homens na mesma situação. Foram 18,5 horas contra 10,3 horas de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando se analisa pessoas casadas, a pesquisa indica que as mulheres são as principais responsáveis por cozinhar, lavar roupas e calçados e limpar o domicílio; já os homens, por fazer pequenos reparos ou manutenção.

As diferenças de gênero se manifestam ainda nas expectativas diferentes que se colocam para mulheres e homens. "Nós queremos mulheres cientistas em todos os lugares, mas para chegar lá é preciso estar preparada", diz Sônia Guimarães, professora de Física no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). "Meninas vão concorrer com meninos e lá na banca julgadora se tiver uma mulher já será muito. Se não formos realmente as melhores, as chances vão caindo. O menino nem precisa ser o melhor; se for branco, melhor ainda. A menina, não; precisa ser a melhor".

"Nós meninas sempre temos que estar perfeitas e só tentamos se estamos perfeitas e os homens não, eles tentam e se não conseguem dizem que foi falta de sorte. Então, mulheres, se estão mais ou menos, tentem. Se não for daquela vez, aprenda o porquê não conseguiu e tente de novo", aconselha Sônia. Diante das experiências compartilhadas no cotidiano, Laeticia completa: "a coisa mais revolucionária que nós mulheres podemos fazer é estudar".

 

Entenda diferenças entre homens e mulheres na graduação

Em 2018, mulheres foram 55,5% das matrículas em graduações presenciais no Brasil e 59,5%% das pessoas que concluíram os cursos. No ano anterior, as dez formações mais procuradas por elas foram, por ordem decrescente, pedagogia, direito, administração, enfermagem, ciências contábeis, psicologia, serviço social, fisioterapia, gestão de pessoal/ recursos humanos e arquitetura e urbanismo.

Já os homens foram 44,5% das matrículas em cursos presenciais de graduação no País e 40,5% dos concluintes em 2018. No ano anterior, os dez cursos mais procurados por eles foram, por ordem decrescente, direito, administração, engenharia civil, ciências contábeis, engenharia mecânica, formação de professor de educação física, engenharia de produção, educação física, engenharia elétrica e análise e desenvolvimento de sistemas (tecnólogo).

Fonte: Inep. Censo da Educação Superior

 

Conheça mulheres que fazem ou fizeram ciência no Brasil

Ainda que com pouco (ou nenhum) reconhecimento, pesquisadoras brasileiras nas mais diversas áreas trazem importantes contribuições para avanços no País. O POVO destaca algumas delas:

Silvia Sardi e Rejane Hughes

Integrantes do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), foram pioneiras na detecção do zika vírus no País e desenvolveram teste que reduz de 48 h para 3h o tempo para identificar a presença do coronavírus no corpo

Celina Turchi

A epidemiologista foi escolhida como uma das dez cientistas mais importantes de 2016 pela revista "Nature" devido à pesquisa que descobriu a relação entre a microcefalia e o vírus da zika

Maria Aparecida Moura

Entrou na universidade com 24 anos, quando já era mãe e morava na periferia de Belo Horizonte. A pesquisadora articula comunicação e sistemas de organização para recuperação de memórias sociais e produção de conhecimentos. Uma das suas principais linhas de pesquisa trabalha com a memória de mestres de ofícios da região do Vale do Jequitinhonha

Natalia Mota

Em sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a neurocientista e psiquiatra cearense desenvolveu um programa de computador que mede a organização do pensamento por meio da fala e, assim, consegue diagnosticar esquizofrenia a partir da análise de apenas 30 segundos de discurso do paciente

Sueli Carneiro

Doutora em Filosofia da educação, é fundadora e atual diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil

Vivian Miranda

A astrofísica tem projetos com a Nasa, sendo a única brasileira no projeto do satélite o WFirst, e é membra do Instituto Brasileiro de Trans Educação. É também a primeira transexual a fazer pós-doutorado em astrofísica na Universidade do Arizona, onde estuda atualmente

Helen Jamil Khoury

Professora do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Helen recebeu a Medalha Carneiro Felippe da Comissão Nacional de Energia Nuclear, distinção concedida a personalidades que se destacam nas pesquisas na área de energia nuclear

Cristina Maria Garcia de Lima Parada

Dos 49 coordenadores de áreas da Capes, ela é uma das 14 mulheres que ocupam esse posto. Pesquisadora e professora Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, a paulista atua na área de saúde da mulher e da criança

Anna Maria Canavarro Benite

A doutora em Química coordena iniciativas para incentivar jovens negros e negras oriundos das baixas classes sociais-econômicas e com alto potencial de engajamento acadêmico e social do ambiente acadêmico universitário. Atualmente é também secretária executiva da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros

Ruth Sonntag Nussenzweig (1928-2018) 

A bióloga foi responsável por descoberta publicada na Revista Nature em 1967 e que serviu de base para as pesquisas que visavam desenvolver uma vacina contra a malária

Heleieth Saffioti (1934 - 2010)

A socióloga tornou-se referência brasileira e reconhecida internacionalmente por seus estudos de gênero a partir da concepção de classe

Carolina Martuscelli Bori (1924-2004)

Entre 1986 e 1989, a psicóloga presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), destacando-se na tarefa de divulgar a ciência para o público em geral. Teve importante papel na implantação e consolidação da Psicologia no Brasil e liderou o movimento que defendeu a regulamentação da profissão no País, em 1962

Alice Piffe Canabrava (1911-2003)

A historiadora relata, no livro "Pioneiras da USP", a discriminação que sofreu pelo atrevimento em concorrer a uma vaga naquela universidade. Concorreu em 1946 e obteve a nota mais alta no conjunto de provas, mas tendo havido empate na votação entre os membros da banca, o cargo foi entregue ao outro candidato, do sexo masculino

Johanna Döbereiner (1924-2000)

A agrônoma tcheca radicada no Brasil  trabalhou a vida toda na Embrapa, fez importantes descobertas que levaram o Brasil a se tornar um grande produtor de soja. Foi indicada ao Nobel de química em 1997 e teve assento na Academia de Ciências do Vaticano

Bertha Lutz (1894-1976)

Bióloga e ativista foi expoente da luta pelo voto feminino no Brasil e manteve-se ao longo da segunda metade do século XX fiel à luta das mulheres pela cidadania

Você pode conhecer mais pesquisadoras brasileiras na lista Pioneiras da Ciência no Brasil divulgada pelo CNPq e no projeto Open Box da Ciência.

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