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Automedicar-se é correr riscos
Ciência e Saúde

Automedicar-se é correr riscos

Utilizar remédios sem prescrição médica pode causar de alergias a problemas de saúde graves
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 29.05.20 Remédios, os perigos da automedicação  (Fotos: Fco Fontenele/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FORTALEZA, CE, BRASIL, 29.05.20 Remédios, os perigos da automedicação (Fotos: Fco Fontenele/O POVO)

É comum recorrer a remédios para cólica, dor de garganta, febre, gastrite ou outros sintomas que surgem no dia a dia. De fácil acesso, os medicamentos isentos de prescrição médica (MIP) muitas vezes já estão, inclusive, na casa das pessoas. Culturalmente enraizada na sociedade, a automedicação pode ocasionar diferentes problemas no organismo e até mascarar sintomas de doenças mais graves. Problemas gastrointestinais, intoxicação, alergias e interação medicamentosa são algumas das possíveis consequências dessa prática.

Os principais remédios utilizados pelos brasileiros que se automedicam são analgésicos e antitérmicos (50%), antibióticos (42%) e relaxantes musculares (24%), de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em março de 2019 e encomendada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF). Com margem de erro de dois pontos percentuais, a consulta foi feita junto a 2.074 pessoas a partir de 16 anos e mostrou que 77% dos brasileiros automedicou-se nos seis meses anteriores à pesquisa.

infografia de Luciana Pimenta
infografia de Luciana Pimenta (Foto: .)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Alguns riscos da automedicação, sem a devida orientação de médicos ou farmacêuticos, são utilizar o medicamento em dosagem errada ou por mais tempo do que o necessário. Outra possibilidade é não respeitar o intervalo necessário entre duas doses de uma mesma substância para que ela seja metabolizada pelo organismo. Alguns exemplos são o paracetamol e a dipirona, que, quando consumidos em excesso, podem causar respectivamente hepatite fulminante — condição mais grave entre as doenças do fígado — e aplasia medular — doença em que há redução da produção das células sanguíneas.

"Quando tenho um medicamento que deve ser usado de seis em seis horas, é porque ele precisa ser usado nesse intervalo para se garantir o efeito terapêutico, e não os efeitos indesejados. A própria vitamina C, se tomada em excesso, pode precipitar cálculos renais", explica Arlandia Nobre, presidente em exercício do Conselho Regional de Farmácia do Ceará (CRF-CE). Uma causa para a prática da automedicação, de acordo com ela, pode ser a dificuldade de aceso aos serviços de saúde tanto no setor público quanto no privado.

Em pesquisas nos municípios do Maciço de Baturité, o professor Jeferson Falcão do Amaral, farmacêutico clínico e farmacologista, percebeu, por exemplo, que a população recorre às "farmácias domiciliares" — local onde guardam remédios — para economizar tempo. "Muitas vezes, as pessoas preferem confiar nas orientações dos pais e dos avós, do que consultar um profissional de saúde. Especialmente analgésicos, medicamentos para cólica e para gastrite são, de fato, os campeões entre os medicamentos utilizados de forma indiscriminada", explica o professor, que é coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Utilização de Medicamentos (GPUMed) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

Ter medicamentos guardados em casa exige o cuidado de mantê-los longe de crianças e de fazer uma limpeza periódica, observando a data de validade dos produtos. Uma vez que os remédios estão vencidos, as características físico-químicas e as qualidades deles podem ser alteradas. O farmacêutico e doutor em saúde pública Paulo Arrais alerta que, nesses casos, os medicamentos podem causar intoxicação, alergia e outras reações adversas.

As interações medicamentosas são outro ponto que preocupa quando se fala em automedicação. Isso porque, desavisadas, as pessoas podem utilizar um remédio que não deveria ser associado a determinado tratamento que já está sendo realizado. Da mesma forma, pode haver problemas ao associar remédios a bebidas alcoólicas.

"Há uma série de recomendações que realmente devem colocar o indivíduo em prontidão antes de fazer o uso do medicamento. Por isso que é boa a leitura da bula", afirma Arrais, que é professor do curso de Farmácia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos da universidade.

 

Automedicação no Brasil

Pesquisa do Instituto Datafolha realizada entre 13 e 20 de março de 2019 com 2.074 pessoas a partir de 16 anos e margem de erro de 2 pontos percentuais apontou:

- 77% dos brasileiros se automedicou nos seis meses anteriores à pesquisa;
- 57% dos 2.074 entrevistados passaram por consulta médica, mas não usaram o medicamento conforme foi receitado;
- Três em cada dez entrevistados afirmaram usar medicamento sem prescrição menos de uma vez por mês;
- As mulheres usam medicamentos sem prescrição com mais frequência;
- 53% das entrevistadas afirmaram utilizar medicamento por conta própria no mínimo uma vez ao mês;
- 61% afirmou se automedicar quando já usou o remédio antes;
- Cerca de quatro em cada dez entrevistados afirmam ter deixado de usar medicamentos prescritos;
- Como influências para o uso de remédios sem prescrição foram apontados familiares, amigos e vizinhos (25%), farmácia (21%), outros profissionais de saúde (8%), tomou por conta própria (7%), internet (6%), bula (4%) e médico (2%);
- Em relação ao grau de escolaridade, 35% dos entrevistados tinham ensino fundamental, 45% tinha ensino médio e 21%, ensino superior.

Remédios utilizados
- Analgésicos e antitérmicos (50%)
- Antibióticos (42%)
- Relaxantes musculares (24%)
- Calmantes e antidepressivos (12%)
- Remédios para diabetes (7%)
- Medicamentos para colesterol (7%)

Fonte: Instituto Datafolha

Covid-19: busca por medicamentos preocupa em meio à pandemia

Em um cenário de incertezas sobre a eficácia e a segurança de medicamentos como a cloroquina e a hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, a automedicação preocupa especialistas. Pela alta demanda por esses remédios, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) os enquadrou como medicamentos de controle especial para garantir que pacientes com malária, lúpus e artrite reumatoide não ficassem sem o tratamento. O mesmo aconteceu com a nitazoxanida.

"Muitos desses medicamentos têm efeitos adversos. A própria azitromicina tem efeito antiviral, alguns estudos apontam para isso, mas também causa problemas cardíacos e alguns problemas renais. Então, o que chamamos atenção é que não existe um medicamento que seja eficiente para combater o vírus", afirma a presidente em exercício do Conselho Regional de Farmácia do Ceará (CRF-CE), Arlandia Nobre.

Jeferson Falcão do Amaral, farmacêutico clínico, farmacologista e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) também chama atenção para os possíveis efeitos colaterais do antiparasitário ivermectina. "Vimos as pessoas começando a estocar o medicamento em casa, como fizeram com o álcool gel e máscaras. É importante dizer para a população não utilizar esses medicamentos sem prescrição médica. E, se for prescrito, buscar orientação farmacêutica para usá-los corretamente."

Uma questão levantada pelo farmacêutico, doutor em saúde pública e professor Paulo Arrais é que muitos sintomas da Covid-19 — como febre, tosse, dor de garganta, congestão nasal, dores musculares e náusea — estão associados à busca pela automedicação. Além dos possíveis efeitos adversos e interações medicamentosas, ele aponta para a necessidade de se atentar ao que se está sentindo para não mascarar os próprios sintomas do novo coronavírus.

"Nós entendemos que é importante que as pessoas não façam a prática da automedicação e, se necessitarem, que levem em consideração que hoje temos farmacêuticos nas farmácias que podem ajudar", afirma o professor. Arrais alerta também para as redes sociais, que, ao mesmo tempo em que são fontes de informação, podem favorecer o uso irracional de medicamentos. (Gabriela Custódio)

 

Centros de Informação sobre Medicamentos (CIM)

Onde a população e profissionais de saúde podem buscar esclarecimentos sobre medicamentos.

CIM UFC
E-mail: cimufc@ufc.br
Instagram: @cim.ufc

CIM Unifametro
E-mail: cimfametro@gmail.com
Instagram: @cim.unifametro

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