Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Não sou grande história na cozinha. Aprendi a fazer coisas básicas para sobreviver. Bem elementares. E sou do tipo que um arroz com alho, ovo e um bom azeite de oliva me fazem um rei refestelado.
Quando pivete no Porangabuçu, azeites caros não chegavam à despensa. A não ser no Natal ou quando vinha gente do Rio de Janeiro.
Já me disseram que sou um falso canelau. Por não gostar de panelada, buchada, sarabulho, dobradinha, sarapatel... Verdade, nunca balancei a cauda nem encho a boca d´água por causa das carnes vermelhas. Nem desejo a língua do boi. Como, mas não me apetece picanha mal passada e a gordura pingando.
Sou mais os peixes. Fui criado por um avô que adorava ir ao mercado da Bela Vista ou à beira do Atlântico comprar pescada amarela, camurupim, arabaiana, cavala, biquara, pargo... Ou atalhava o peixeiro que cruzava, cedo, a Tavares Iracema.
Pau de jucá roliço no lombo, chapéu de palha, e uns peixões pendurados pelo rabo. Fazia o pregão no berro e quem era do mar corria à soleira da entrada da casa.
Também era assim como o vendedor de galinhas vivas. As coitadas penduradas de cabeça para baixo no guidom da bicicleta.
E na grelha da garupa um porcão preto com as patas piadas umas nas outras e uma corda ao bucho. Ou dois leitões. Dava pena vê-los, ali, sem lama e com a perspectiva de uma vida breve.
A história de minha família com o alimento, ‘o de comer’, é uma encruzilhada entre a abundância do litoral daqui, o de Camocim, a serra do Maranguape e a escassez do Sertão trazida dos parentes.
Talvez o encruamento do arquétipo do homem parido no Semiárido.
Teve de comer com extrema fome quando havia. E pouco teve tempo para o prazer de degustar o que lhe entrava à boca.
Como tudo era contado, numa casa de 11 bocas, a comida durante a semana era para cumprir a necessidade de ter de tomar café, almoçar, (merendar) e jantar antes de dormir. E a manhã se resumia no que teria de mistura do arroz e feijão.
Em alguns domingos, começo de mês quando o dinheiro ainda havia, era macarronada com carne moída e molho de tomate. Ou mais de um bife acebolado, por menino, e conversas boas ao pé da mesa e fogão.
Uma gastronomia canelau que traz o tempo. Uma Coca-Cola família, um bolo feito por mamãe no entardecer. O final de semana era a cara de fazer bolo, lamber a panela e comê-lo quente na dor de barriga.
E hoje é uma dificuldade achar um menu pindaíba, de qualidade, nos restaurantes da Cidade. Básico, porém deliciante. Sem creme de leite em tudo e a ditadura das receitas mediterrâneas com redução disso ou aquilo.
Sim, também são ótimas quando o molho branco não impera. Mas há sábados em que se amanhece com a volição de comer uma farofa de carne de charque com cebola vermelha, baião e bra.
Uma cavala frita em postas, arroz branco com alho, tomate, cebola para dar o gosto. Ou uma bem feita carne moída, sem langanhas, no coentro, arroz branco com alho e um feijão com caldo. Não vou nem falar da peixada na água grande ou no leite do coco.
À noite, quando chego do jornal, com fome e sem a menor possibilidade de ir comer fora, as latas de sardinha e atum me salvam. Misturo com ovo, arroz, alho, canela, tomate e o que tiver.
Está pronto a mistura mais canelau e saborosa que conheço. Resolve e ainda passeio no tempo.
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