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A síntese de Javert
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A síntese de Javert

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Mentalidade não é fácil de mudar. Quando crença, pior ainda. Estava a recordar do ex-secretário da Segurança Pública do Ceará, Roberto Monteiro. O “gravatinha”, apelido que ganhou por causa da gravata borboleta inabalável, protagonizou cruzadas contra velhos hábitos nas polícias.

 

Monteiro não foi um gestor dos mais eficientes, ali raros são. Mas era um legalista ao jeito do inspetor Javert. Seria capaz de se jogar algemado, mãos, pés e mordaça, no mar de Iracema se cometesse algo fora da lei ou injusto. Não era corporativo.

 

Javert, depois de perseguir o infeliz Jean Valjean uma vida inteira e descobrir o mal que a França e ele fizeram ao homem que roubou um pão, acorrentou-se e pulou no Sena. A síntese de Os Miseráveis.

 

Imagino o que Roberto Monteiro diria de seu colega de Polícia Federal e atual secretário da Segurança cearense, André Costa. Por último, o executivo do Governo anda fazendo “lives” e “posts” vexatórios na web contra presos.

 

Constrangimentos desnecessários como colocar emojis no rosto de criminosos para comemorar o feito da prisão em tom de chacota.

  

André Costa enfeita a face do infeliz “inimigo” com uma “carinha” de choro ou outra troça.

 

E numa dessas zombarias incompatíveis com a liturgia de um secretário de Estado, expôs o nome de um adolescente assaltante.

E, tomado pela falta de senso, ainda escancarou o nome da mãe do aprisionado que nasceu em 9/10/2000. 

 

Uma ilegalidade cruzada entre o que manda o ECA e o direito de cada um à própria imagem. Essa senhora é bandida? E ainda se fosse... 

 

Em 2007, uma portaria de Roberto Monteiro proibiu delegados, coronéis e outros policiais de ostentarem troféus de gente à margem da lei. O criminoso foi preso? Então que se fizesse o procedimento legal e deixasse o resto com o Ministério Público e a Justiça. E pronto.

Expor a fotografia só em caso de procurados.

 

Na época, os delegados e a imprensa acostumados com exposição de “bandidos” berraram. A mesma polícia que reclamou, recentemente, da divulgação por parte do Ministério Público do nome do delegado Romério Almeida — afastado do 30º DP por suspeita de corrupção.

 

André Costa, pela lógica de sua atitude recorrente nas redes sociais, colocaria emojis na cara de policiais flagrados pela Controladoria Geral de Disciplina ou presos a pedido do MP?

 

Claro que não teria coragem de fazer. Além de ilegal, a reação dos constrangidos seria outra. Bem diferente da postura de quem incorporou a “meliância” e se acostumou a ser escarniado e, também, a expor barbaridades nas redes sociais para ostentar poder. É o mesmo expediente, não?

 

Preconceito é algo que se perpetua porque são séculos de costume abusivo desde a invasão portuguesa e à subjugação de índios e negros — os “primeiros marginais”. E contaminou o tempo, a casa, a senzala, a rua, a escola, o puteiro, a igreja, o trabalho, a rodada de cerveja...

 

Talvez falte ao secretário menos bajuladores e mais gente que o faça menos basbaque ante o poder passageiro e o uso da web. 

 

Ele pode elogiar os policiais por ações exitosas e legais? Deve. Mas sem incentivar a perpetuação atávica do escárnio de “marginais”, agora, via redes sociais. Já está insuportável a barbárie. 

 

Falta também ao Controle Externo da Atividade Policial do MP, da OAB e da Defensoria Pública menos omissão. 

Foto do Demitri Túlio

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