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Roberto Carlos, as facções e o CFO
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Roberto Carlos, as facções e o CFO

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Devagarzinho, o Centro de Formação Olímpica (CFO) do governo do Ceará vai se transformando num lugar pago para grandes shows.

Suprindo a carência que a Cidade tem porque não possui um lugar privado, de vergonha, para espetáculos assim.

Não vejo problema em Roberto Carlos e os Tribalistas reinarem ali por uma ou dez noites. É sustentável para um equipamento público tão grandioso que precisa se garantir e ter função pública sem embustes e jeitinhos.

Melhor ainda se os shows privados fizessem alguma ponte com quem mora naqueles arredores. Para além de botar a barraca de churrasco de gato na calçada ou lotear as ruas com estacionamentos do medo.

É que até agora, o CFO representa quase nada no dia a dia violento de crianças, adolescentes e famílias das biqueiras dali.

Imaginem no pacote de Roberto Carlos e dos Tribalistas a previsão de oficinas de canto ou sons para aprendizes de música do CFO? Carlinhos Brown e tambores, Arnaldo Antunes e as narrativas poéticas... Marisa Monte e o Rei...

Opa! Mas ali não há uma escola-biblioteca extraordinária de sons, de cidades, de artes, de esportes, de memória, de bairro, de política, de novos olhares e futuros para meninas e meninos. Há o que mesmo no “mais moderno, tecnológico e inteligente complexo de excelência esportiva da América Latina?”.

É incompreensível, quatro anos depois da Copa do Mundo em Fortaleza, o CFO ainda não ter um rumo de uso coletivo definido? Bater cabeça na gestão e ser lugar, apenas, de acomodação de cota partidária.

A Copa da Rússia já chegou e, em quatro anos, o equipamento deixou de fazer a diferença nas comunidades do Unidos Venceremos, Babilônia, Gereba e outros assentamentos precários do entorno dominadas pelas facções e a miséria.

Em quatro anos, se preferirem o reducionismo do que propõe equivocadamente o nome do equipamento, quantos atletas de alto rendimento foram formados em Fortaleza? Quantos “olímpicos” do CFO terão chance de seguir para Tóquio-2020?

Não vou fazer isso para a coluna, mas poderia levantar nos arquivos do O POVO o nome, a idade e o número de crianças, jovens, adolescestes e adultos executados nos últimos quatro anos nos arredores do CFO dentro dos contextos das facções.

O CFO teria evitado os homicídios, as decapitações, as incinerações dali? Provavelmente não. Mas atravessaria positivamente a dinâmica do tráfico. Poderia ter sido atraente na oferta de usos de um espaço público fantástico e ter seduzido mais do que as facções.

Sinceramente, sem nenhuma ironia, qual a razão de ser do CFO? Ele foi pensado e criado, mesmo, para quê? Me mandaram um release da Secretaria dos Esportes sobre um seminário para discutir a gestão de lá. Curioso é que não há nenhum representante das comunidades ou favelas ali do lado.

Não há cartolas e jogadores de time de subúrbio do Gereba. Não há gente de associações comunitárias da Babilônia nem o povo dos coletivos de arte do Grande Jangurussu...

Na lista, as autoridades da Arena Amazônia, do Instituto Dragão do Mar, da FGV... Mas a comunidade do derredor não foi convidada para discutir a gestão de um equipamento público que está no caminho dela?

Na última quarta-feira, circulou um vídeo no whatsapp de um garoto de 15 anos cantando um funk. Apologia à tirania da GDE. Em um certo momento, um cara armado de pistola e silenciador, rege o pequeno cantor do Ancuri.

O miúdo canta muito, é um talento na narrativa simples e detona pra uma galera que se rebola. Muitas crianças ao redor...

Mas o 745 chegou primeiro e o abraçou. Encheu a bola do pivete e, quase certo, o recrutará. Ele é Sal. Provavelmente vai ganhar ou já ganhou um ferro, provavelmente vai matar e vai morrer antes até 20... Tomara que não.

Imaginou? Ele numa oficina com Roberto Carlos, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes na escola-biblioteca extraordinária de música e outras paradas do CFO?

Fica a dica, mah! 

Foto do Demitri Túlio

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