Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Quando janeiro do ano que vem chegar, terão se passados 30 anos que Maria Luiza Fontenele passou a Prefeitura de Fortaleza para Ciro Gomes, em 1989.
Maria foi a primeira mulher eleita prefeita de uma capital no Brasil. E, também, a primeira petista a encarar, no Executivo, uma investida do machismo num País recém-saído de uma ditadura.
A inexperiência administrativa, é verdade, também pesou. Nem ela nem o PT imaginavam amanhecer com a Prefeitura na mão. Era 1985, Paes de Andrade (PMDB) tinha 50% das intenções de voto e Lúcio Alcântara vinha em segundo. A petista era apenas a quarta na preferência.
Surpreenderam e foram surpreendidos. Também por isso, de 1986 a 1989, ela não comeu nem o pão que o diabo amassou porque nem isso lhe deram.
Maria Luiza terminou a administração isolada até mesmo da esquerda que chegou com ela ao Paço Municipal. Tanto que foi expulsa do PT.
E não é exagero afirmar que a misoginia, tão em alta com a eleição de Jair Bolsonaro, foi um das armadilhas usadas para desqualificar uma mulher no poder municipal.
A então petista chegou a ser tratada por adversários políticos como "puta". Preconceito que, maldosamente, virou pauta de marqueteiros e publicitários afeitos, já naquela época, a espalhar notícias falsas.
Jornalistas também. Por tempos, um deles insistiu em sua coluna de absurdos e bajulâncias a empresários e torturadores que Maria era dona de um motel em Fortaleza.
Maria Luíza poderia ser julgada, honestamente, por seus tropeços na administração e pelas portas fechadas que foi encontrando. Nem Tasso nem Sarney lhe deram colher de chá. O interesse não era o coletivo.
Ela era pauta das conversas injuriosas de homens e até de mulheres. Maridos, separações e namorados que atravessariam a administração. Narrativas maledicentes sobre a vida particular da mulher de esquerda.
Como se os relacionamentos afetivos de Ciro Gomes, que pertencem só a ele e companheiras, fossem parte do jogo político. Não são. A não ser quando a coisa pública é contaminada pelo intimamente privado.
Com Maria Luíza a banda tocou, propositalmente, com um gato na tuba. Porque fomos criados para ser macho pegador, bode solto, a fabulação machista contra a prefeita "fogosa", de 44 anos, foi um dos tons da desconstrução de uma mulher "competente" no Palácio do Bispo.
Trinta anos depois, a roda da roca gira e fura, talvez, o mesmo dedo do falso moralismo. A ordem explícita é incentivar a desqualificação do outro que se opõe ao autoritarismo ou professa credo que não seja o da tradição.
Maria não foi apenas vítima. Não. Mas sofreu uma desconstrução indizível como ser humano. A ponto de ser, simbolicamente, tratada como "lixo" dada a cidade criminosamente despejada por monturos sem vencimentos.
Também foi taxada de "baderneira", "comunista", "socialista" por, mentirosamente, incentivar o quebra-quebra de ônibus do sistema de transporte público de Fortaleza.
Era diferente de hoje, mas cheio de semelhanças. E um incentivo ao "entreguismo" e à boataria por crimes que não estão sendo cometidos. Nem sequer são tipificados.
Lembrei-me do constrangimento por causa de uma aula, há uma semana do 2º turno, de um professor que vem sofrendo ataques na Aldeota. Discutia sobre um fato histórico chamado ditadura militar. Batismo de Sangue, o filme baseado no livro de Frei Betto.
Um relato sobre versões do real de quem foi preso duas vezes por um regime que não aceitava a diversidade e o pensamento contrário.
Diferente do tempo de Maria, mas semelhante.
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