Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Se eu tivesse muito dinheiro não deixaria derrubar uma casa linda, faceira, que ainda existe na esquina da Fiúza de Pontes com Barão de Aracati. No caminho da Aldeota.
Ou se eu fosse a dona do colégio Canarinho, ao lado do casarão, o compraria para um laboratório das aulas sobre história das Esquinas.
Lá, por enquanto, dois cachorros pastores alemães (meio brancos) guardam o jardim. Não sei se há pessoas morando ou apenas caseiros. Havia uma placa de "vende-se" e, depois, a tiraram. Provavelmente foi negociada e daqui a pouco um prédio tomará seu lugar.
Será que se eu tivesse muita grana, possuiria uma construtora e mandaria passar um trator por cima do bangalô? E quando me desse o faniquito de olhar casas antigas, pegaria um jatinho e desembarcaria em Paris, Lisboa, Praga...?
Não sei qual o incômodo tenho quando um casarão desses vem abaixo ou me avisa que irá ser demolido. Sim, eles sussurram. Ou então sou sem juízo e falo com as paredes, com os jardins, com os portões, com a água furtada velha.
Velha não, antiga. Cheia de tempo e, para quem escuta coisas, ainda repleta de gente que já se foi. Tenho a sensação que ainda roda um tempo ali. Uma segunda-feira em 1939, uma quinta de 1945...
Um beijo na boca, daquele de língua no ouvido e uma transa no quarto de casal em uma noite para comemorar o fim da II Guerra. A impressão é que os anos se foram, mas ainda estão lá.
Nem sei de qual ano é a casa na esquina da Fiúza de Pontes com Barão de Aracati. Pode ser dos anos 60, ter acoitado subversivos na ditadura. Ou ter sido possuída por um torturador.
É uma casa entupida de histórias até a fossa. Inclusive, de dores de barriga. De papeira, de velórios, porque alguém morreu moço, se suicidou ou se foi bem velhinha dizendo que dali só sairia para o São João Batista.
Fico imaginando as almas aperreadas! Apegadas à casa, ao cheiro do quintal, ao café da tarde na mesa da cozinha, ao papagaio longevo... quando voltam do cemitério, meses ou anos depois, se deparam com um prédio.
Talvez seja como uma viagem boa de férias. Ela finda, passa, mas continua acontecendo num estado de memória apavorante. Numa saudade ou sei lá o como se nomeia.
Sei que as coisas encontram, um dia, o fim. Mas não é imperfeição ter saudade das telhas chovendo na chuva. Nem de lembrar da hora do almoço, a mesa cheia e, depois, outro dia.
Na casa de seu Gil e dona Araci, na João Cordeiro com Tenente Benévolo, há um prédio hoje. Mas, vez ou outra, me vejo sendo recebido pelos cabelos curtos de Tânia.
E não me esqueço de ouvir Demócrito Dummar me dizer, nós na varanda da casa dele, que não perdia uma chuva daquele andar de cima. E era um poema mesmo.
A casa onde nasci menino ainda está na Tavares Iracema com Major Pedro Sampaio, no Porangabuçu. Ficou menor, baixinha, rápida de percorrer, mas ainda ouço meus irmãos amanhecendo.
Quem tem uma herança pode fazer dela o que quiser. Claro. Até vender a casa da esquina da Fiúza de Postes com Barão de Aracati e deixar derrubá-la. Mas me pediram aquelas janelas para escrever. Quando passo por lá, me sopram lembranças.
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