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Politicamente, prisão é ruim para esquerda e para direita
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Politicamente, prisão é ruim para esquerda e para direita

Prender Lula foi, no longo prazo, ruim para a direita que o combate e para a esquerda que o apoia. Ainda que, no curto prazo, possa ser bom para ambas as partes. Explico
Tipo Opinião
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Há, obviamente, toda uma questão jurídica relacionada à prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os aliados dizem que o julgamento foi injusto ou sem provas. Não é desse assunto que tratarei. Parto do princípio de que, se alguém é condenado, deve cumprir a pena. A decisão judicial pode ter sido errada — e muitas são tomadas assim, todo dia e infelizmente. Mas, numa democracia, isso se resolve nas esferas da própria Justiça. Não elimina o risco de o eventual erro persistir, mas fora disso até hoje não se construiu nada que não seja arbitrário. Então, não discuto aqui se Lula devia ou não ser preso. A autoridade competente para tal achou que sim, então resta cumprir. Tratarei das consequências políticas dessa prisão.

Prender Lula foi, no longo prazo, ruim para a direita que o combate e para a esquerda que o apoia. Ainda que, no curto prazo, possa ser bom para ambas as partes. Explico:

1) De imediato, as forças adversárias de Lula ganham porque ele, no cenário de hoje, não terá condições de ser candidato. Caso fosse, seria o favorito. Então, fica fora do jogo, sem nem de longe substituto minimamente tão competitivo.

2) Para o PT e os aliados, claro que seria muito melhor ter Lula candidato. Portanto, mesmo no curto prazo, o ganho é relativo. Os grupos ganharam porque a militância se inflamou como há muito não se via. Nem sei desde quando. Talvez, a eleição de 2002. Mais que isso, a esquerda, em grande parte, uniu-se. O Psol, nascido de uma ruptura no petismo sobre os rumos do governo Lula, tem sido quase inconfundível do próprio PT. Isso é um feito e é raro.

E há o simbolismo. Muitas e poderosas imagens, frases e cenas foram construídas. O discurso — goste-se ou não — histórico, típico de um orador que domina como pouco a retórica de massas. As fotos do ex-presidente em meio à multidão. Tudo isso é munição eleitoral de alto impacto. O mito Lula ficou maior, mais forte, mais dramático. Isso é o que a esquerda mais ganha. No longo prazo, porém, isso pode ser ruim para todo mundo.

O QUE SE PERDE

Lula preso se tornou um símbolo mais poderoso do que era. Como isso é ruim para os adversários é evidente. Agrega-se à biografia o componente de perseguição, dramaticidade, de sair dos braços do povo para se entregar à Polícia para cumprir um veredito que considera injusto. A disputa em torno dessa narrativa permanecerá por décadas e décadas. Não tem jeito. Muitos políticos — candidatos a vereador, deputado, prefeito, governador, senador, presidente — irão explorar de alguma forma esse imaginário. É uma nova, poderosa e — acredite — persistente arma política. 

O lado ruim disso para o PT é justamente o fortalecimento e enraizamento do mito. O personalismo fica maior e talvez se torne incontornável daqui para frente. O PT não pode evitar.

O culto à personalidade atravessa os milênios e sempre degenerou em experiências políticas centralizadoras e problemáticas em vários aspectos. Não vejo como algo de bom possa ser construído a partir do culto a um indivíduo, um messias prometido em cuja sabedoria e decisões repousam as esperanças. Não é assim que se faz política, não é assim que se constrói a esfera pública — embora tais personagens gostem que se pense que é.

Pois bem, Lula fundou o PT e há muito é impensável o partido sem tê-lo como referência. Isso ficou mais forte ainda. Há alguns anos, ensaiou-se uma renovação e construção de projeto para o futuro. Dilma Rousseff, Tarso Genro, Jaques Wagner, Fernando Pimentel, Fernando Haddad, Marcelo Déda e José Eduardo Dutra eram alguns dos protagonistas desse processo. Os dois últimos morreram. Haddad ficou relegado a plano secundário nos atos que antecederam a prisão de Lula, ofuscado por Guilherme Boulos (Psol) e Manuela D’Ávila (PCdoB). O projeto está parado e não sei se volta a andar.

Por mais que o momento da legenda seja de resistência ao que considera perseguição da Justiça, da Polícia, da mídia e de quem for, o projeto para o futuro precisa ir além disso. Até hoje, o PT foi a mais interessante experiência de construção de um partido no Brasil. Pode-se odiar o PT, mas é inegável que ele tinha efervescência interna, vida partidária. Talvez até demais às vezes. Porém, esse processo perdeu muito vigor nos 13 anos de governo. O partido precisa renovar nomes e agenda. Precisa dialogar com um País que mudou muito. É isso ou não terá lugar no futuro não tão distante.

Para isso, o partido precisa ir além de Lula. Ir além de ser Lula. Poderosa que seja, a imagem do ex-presidente conduzirá o partido até determinado ponto, mas não além. A questão é que, com a força adquirida, talvez o poder do mito de seu fundador tenha se tornado grande demais para o partido ser capaz de se desprender e ir além.

Foto do Érico Firmo

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