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Mulher séria
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

Mulher séria

 

“A minha mulher é o diabo!”. Barata era cabo em uma corporação militar. Há anos, casara com Mafalda, bibliotecária, mulher séria que, de tão séria, beirava a chatice incondicional.

Não bastasse ser ela imensa e ele, ao contrário, um tampinha que nem a farda lhe era capaz de oferecer qualquer altivez, o coitado morria de medo da mulher. Isso não era segredo para ninguém e muito menos para ela, a gozar do direito de humilhá-lo publicamente, a qualquer tempo e a qualquer hora.

Orgulhava-se de conduzir o infeliz a rédeas curtas e não lhe poupava ameaças. Por qualquer coisa, ouvia-se “Barataaaa!” e, como num deus nos acuda, e se demorasse era pior, lá se ia a criatura postar-se diante dela, a se entregar aos seus cascudos.

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Em um carnaval, contou-me ela, estavam num sítio. Ele, após o almoço, dormia na rede quando despertou com um baque nos peitos. Era o filho. Zonzo, com as costelas ardendo, ouviu a mulher: “Não fiz esse menino sozinha! Quer moleza? Também mereço!” E saía dali altiva, prendendo os cabelos, deixando para trás o menino berrando no ouvido do pai, o que não o constrangia tanto quanto as gargalhadas de cunhados a caçoar: “Ele é cabo, mas ela, sim, é o sargento!” Barata se sentia um inseto.


Amigas alertavam Mafalda: “Vai perder o marido...”. Ela, entretanto, mais segura que uma coluna romana, batia fortemente nos fartos seios: “Sou mulher direita. Nunca traí! Como eu, o traste não encontra!”. Sim, Barata ouvia essa lengalenga todos os dias – “Sou fiel! Sou fiel!” – como se isso justificasse aquele inferno sem fim. Até os amigos estranhavam: “Separa, Barata. Mulher boa tem aos montes. A sua, é bucha de canhão!”.


Um dia, uma surpresa inédita: Mafalda trouxe um colega de trabalho para almoçar. Era o Pinto. Apresentou-lhe com tão largo sorriso, que o Barata estranhou: “Nem lembrava que tinha dentes...”.


Durante as semanas seguintes, a agora falante Mafalda, não dizia nada que não saísse o Pinto no meio. A sua boca era o Pinto! Aquele, às suas vistas, parecia o ideal masculino. Então, Barata lampejou: passou a insistir que a mulher trouxesse o Pinto mais vezes: “É raro um bom amigo”. Motivava o convite para irem ao cinema, ao teatro... Ele ficaria com o filho: “Nem gostava dessas coisas”. E assim, muitas vezes, aconteceu de ela sair arrumada e cheirosa com o colega. Nessas noites tardas, vinha leve e fagueira e, sem conversa, ia logo dormir sem reclamar de nada.


Uma noite, Barata deixou o filho com a sogra e disse à esposa que, extraordinariamente, estava de serviço no quartel. Então, sugeriu convidar o Pinto, “um jantar talvez”, para que ela não ficasse tão sozinha. Convencida, assim o fez. E, durante a noite inteira, o ardiloso marido plantou-se de tocaia no jardim.

Corria para a janela do quarto de casal, brechava, mas eles não saíram da sala, bebendo e rindo a valer de um filme antigo. Lá fora, Barata torcia: “É agora, vamos, é agora...” e nada acontecia. Até que, tarde, o Pinto levantou-se, apertou a mão de Mafalda e se dirigiu à saída, sendo, ainda na soleira, arrebatado pelo Barata que, enlouquecido, o esmurrava fartamente. Escandalizada, Mafalda pegou o marido numa gravata íntima: “O que é isso, Barata? Endoidou, homem?”.

Chorando e desesperado diante do fracasso a três, rendeu-se com a cara nos seios da mulher e, apontando para a vítima, berrava ao quarteirão: “Esse Pinto é frouxo! É froooouxooo!”

Foto do Raymundo Netto

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