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Traste velho
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Traste velho


Dia desses, ao sair do lar doce lar para o trabalho, deparei com uma cena no mínimo insólita. Encostado no muro da minha casa, equilibrava-se um velho colchão. Roto, amassado, manchado, meio que dobrado ao meio, só não vinha ao chão pelo atrito do seu tecido com o chapisco de cor grafite. “Engraçado”, pensei, “um objeto feito para o descanso, descansando”. Quem o teria colocado ali? Teria sido trocado por outro mais novo? Com que propósito? Já desgastado, não ajudava mais seus donos (sim, porque era um de casal) a conciliarem o sono? Ou teria sido por vingança por ter servido de dócil leito a uma traição amorosa? E ele lá, paradão, com sua padronagem de nuvens. “Tire logo esse bicho daí”, falou um passante, “senão vira hotel de vagabundo”.


Parece que as coisas inservíveis têm um fraco por mim. Ontem foi o caso de encontrar, junto à porta do meu escritório, um carrinho azul de bebê totalmente quengado. Azul por ter pertencido a algum recém-nascido do sexo masculino? Ou teria sido pintado nesta cor para ser aproveitado pelo resultado de outro parto? Foi jogado fora por conta de uma grande decepção de alguém com quem o ocupou? O certo é que a estrutura, as rodas, o revestimento, o berço e a pala estavam imprestáveis. Contristado, levantei-o do jardim e acomodei-o ao lado do poste, perto dos sacos de lixo. “Testemunhou tanto choro, tanta risada, aguentou firme xixi e cocô e agora está aí, na lona”, refleti. “Tire essa coisa da calçada antes que um cristão tropece nela e caia”, disse a mulher da merenda.


Ninguém tem piedade do que é atravessado pelo tempo. Ainda mais numa cidade como esta, onde “velho” (pronuncia-se “réi”) é sinônimo daquilo que não serve mesmo mais para nada, seja gente, animal, vegetal ou artefato. Penso nos meus antigos utensílios de desenho, por mim tão queridos e já recolhidos à sua inutilidade. Tanto me ajudaram e hoje estão por aí, empilhados numa gaveta qualquer. Fico imaginando a quantidade de coisas que são jogadas fora todos os dias nos desvãos desta Loura. Os lixões são os asilos dos cacarecos. Toda vez que ando na av. José Bastos, no rumo da Lagoa de Parangaba, vejo de uma banda a outra da via uma multidão de carros quebrados. “É tal e qual um cemitério de elefantes, vêm para cá quando sabem que vão morrer”, brinco.


E meus caros colegas brigando, divididos numa mais que falsa polêmica entre “profissionais” e “diletantes”, “analógicos” e “digitais”, “bípedes” e “quadrúpedes”, apenas jogando lenha num debate que já nasceu senil. Viva Liberal, viva Neudson, anciãos moços que nos ensinaram o futuro a partir do passado e do presente. “Leva-se muito tempo para ser jovem”, curtiu certa vez um vetusto Picasso. Só ainda não dei nos monturos com o alquebradíssimo governo do (des)interino, com seus 3% de aprovação. Esses três aí devem ser (tire as crianças da sala, revisor) o moreira franco (angorá), o eliseu quadrilha, digo, padilha e o romero jucá (caju). Mas já, já a conta chega para esse povo, ora se não, Farias, como dizia o pajaraca Jurandir Mitoso, no radinho de pilha...


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