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A coleção de palavras de uma família
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A coleção de palavras de uma família


Ganhei um livro e guardei. Só cinco anos depois chegou sua hora na fila das leituras. O seu título sempre me interessou: Léxico Familiar. Decidir pelo título de um livro é sempre uma escolha difícil e com grande risco de falhar gravemente. Este não falhou. Léxico Familiar, um par de vocábulos, planta uma pergunta que faz cada vez mais sentido no percurso da leitura.


Léxico significa o conjunto completo de palavras que temos à nossa disposição para falar uma língua. Todas elas. Nascemos sem saber nada sobre essa herança que nos pertence. O léxico chega pouco a pouco, primeiro na urgência de exprimir as necessidades básicas da vida e do amor. Depois vai ampliando para outras necessidades: brincar, conviver, cantar, fabular. Perdemos rapidamente as contas de quantas palavras conhecemos, do número exato do nosso vocabulário.


O livro foi escrito pela italiana Natalia Ginzburg, uma escritora absurdamente talentosa, que consegue construir sentido no trabalho com o texto com manobras invisíveis. Foi contemporânea de Italo Calvino, Cesare Pavese e mãe do historiador Carlo Ginzburg, autor de um livro também marcante, O queijo e os vermes, dentre muitos outros.

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A escritora e professora Noemi Jaffe foi precisa ao definir o Léxico Familiar. É um livro sobre “palavras que se depositam lentamente no imaginário de uma família e vão construindo um espaço e um tempo de memória comum. Mesmo separados pela distância física, pelos acontecimentos terríveis que sucederam a todos os parentes durante a Segunda Guerra Mundial, basta aos irmãos repetirem as frases que compartilham para que se refaça a trama que parecia desfeita”. Uma das palavras grita com toda força o texto inteiro, aparece pequena e cresce como ameaça, para virar o nome de uma trágica realidade: o fascismo.


É, portanto, uma história de família pontuada e marcada pelas palavras, expressões, apelidos, elogios, insultos, nomes próprios, vocábulos estrangeiros, versinhos e músicas, tudo o que sustenta a memória desse tempo de convívio. É o exemplo perfeito de um romance que não pode ser resumido, a experiência é ler palavra por palavra. Este livro é a porta aberta na casa de Natalia e sua família, seu pai tão rígido, sua mãe quase engraçada, a juventude dos seus irmãos.


Toda família, ou todo grupo de pessoas que convivem também constroem esse léxico coletivo. É essa pergunta que o título planta e que cresce ao longo da leitura: quais são as palavras da minha família? Quais expressões, provérbios, repetições, apelidos e marcas linguísticas conferem identidade aos discursos dos parentes? Algumas famílias merecem um dicionário próprio para que um estranho compreenda alguma coisa e isso me parece um bom sinal.


Natalia narra com aparente simplicidade, sempre deixando claro o papel primordial das palavras em todas as situações. Quando menos se espera, o desejo do leitor é de fato estar dentro da casa, tomar a famosa sopinha de Liebig, ou subir a montanha com eles nos finais de semana. A escrita de Natalia guarda um texto com várias camadas de compreensão. Felizmente o Léxico Familiar está disponível novamente no mercado editorial brasileiro. Natalia Ginzburg merece ser mais lida e conhecida entre nós. Principalmente este livro, que nos leva a enxergar tanto sobre nossas próprias famílias.

Foto do Socorro Acioli

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