O cearense Humberto de Alencar Castelo Branco pretendia uma ditadura temporária, com rápido retorno da democracia. Primeiro presidente do regime militar, era intelectual legalista e de formação liberal. Talvez tenha sido esse perfil que tenha facilitado a consolidação da ditadura de 21 anos.
“Ele soube se utilizar — e deixou que se utilizassem — de sua imagem de moderado e legalista para conferir um verniz pretensamente democrático ao golpe”, escreveu na Folha de S.Paulo, em 8 de abril de 2004, o jornalista Lira Neto, autor de Castello: a marcha para a ditadura (Contexto, 2004).
Chefe do Estado Maior do Exército quando do golpe, Castelo era leitor de Shakespeare, dos sermões do padre Antônio Vieira e ouvinte de música erudita. Tinha como referências políticas Estados Unidos e França — chegou a estudar em ambos os países. Era crítico da presença dos militares na política. Não por acaso, a partir de 1º de abril de 1964, evitou aparições públicas em trajes militares. “O paletó e a gravata serviriam para dar ares civis ao movimento armado”, resumiu Lira Neto.
Em 1954, o primeiro de vários senões no legalismo: assinou o “Manifesto dos Generais” pela renúncia de Getúlio Vargas.
Eleito presidente pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, deveria concluir o mandato iniciado por Jânio Quadros, assumido posteriormente por João Goulart. Prometeu “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação coesa”. Três meses depois, o mandato foi prorrogado até 1967. O sucessor de Castelo foi eleito por 295 pessoas.
Não fosse a imagem de Castelo como moderado de inclinação democrática, dificilmente teria tido o apoio de nomes como Juscelino Kubitschek, que liderou a votação da bancada do PSD em favor dele. JK pretendia ser candidato em 1965. Em menos de dois meses, porém, teve mandato cassado e foi para o exílio.
Na tentativa de manter algo próximo à aparência de normalidade democrática, em 1965 houve eleição direta para governadores de 11 estados. Em cinco venceram candidatos de oposição. Foi então que Castelo Branco editou o Ato Institucional número 2 (AI-2). Oficializou a eleição indireta como mecanismo de escolha do presidente e extinguiu os partidos políticos. Passaram a haver apenas dois: Arena e MDB.
Castelo teria baixado a medida a contragosto. Mas, não pararia aí.
Quatro meses depois, o AI-3 estabeleceu eleições indiretas para todos os governadores e escolha de prefeitos das capitais por indicação. Em 1967, o AI-4 revogou toda a Constituição de 1946 e estabeleceu nova Carta. Não era mais possível manter o regime com emendas à velha ordem.
“Castello queria um ato institucional que durasse só três meses. Assinou três. Queria que as cassações se limitassem a uma ou duas dezenas de dirigentes do regime deposto. Cassou cerca de quinhentas pessoas e demitiu 2 mil. Seu governo durou 32 meses, 23 dos quais sob a vigência de outros 37 atos complementares, seis deles associados aos poderes de baraço e cutelo do Executivo”, escreveu Elio Gaspari em A ditadura envergonhada (Cia. das Letras, 2002). Em outubro de 1966, o Congresso foi fechado por um mês, período no qual Castelo acumulou funções de Executivo e Legislativo.
A tortura não foi tão disseminada quanto passaria a ser após o AI-5.
Mas, existiu e foi denunciada por nomes como o escritor Carlos Heitor Cony e o cardeal dom Hélder Câmara. Os fatos chegaram ao conhecimento de Castelo, que designou Ernesto Geisel, então chefe da Casa Militar e futuro presidente, para investigar os fatos. Comprovou a prática e tentou inibi-la. Sem punição, porém, a tortura persistiu.
No fim das contas, Castelo Branco acabou por consolidar uma ditadura, um pouco contra sua vontade. Ao longo de todo o governo, foi pressionado pela linha dura. Se a ditadura tivesse sido desde o início conduzida por esse último grupo, o regime certamente teria encontrado mais dificuldades para se firmar.
Ao deixar o mandato, Castelo teria força para impor o sucessor. Mas, temeu dividir o regime e aceitou a ascensão de Costa e Silva. Com a linha dura na Presidência, a ditadura perdeu quaisquer disfarces.