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Vítimas de balas perdidas buscam recomeço
Cotidiano

Vítimas de balas perdidas buscam recomeço

Sobreviventes convivem com sequelas. O medo faz com que episódios nem cheguem a ser denunciados. O silêncio torna muitos casos invisíveis
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Conflitos entre grupos criminosos elevam estatísticas de criminalidade e transformam em vítimas um perfil que normalmente não seria alvo da violência. Sobretudo em comunidades periféricas de Fortaleza, crianças que buscam ruas e praças para brincar têm sido atingidas por balas perdidas, muitas vezes disparadas nos confrontos entre facções organizadas. Foram ao menos dois casos só no mês passado.


No último dia 26 de agosto, menina de cinco meses de idade foi baleada no colo da mãe, na rua Jackson do Pandeiro, na comunidade das Goiabeiras, Barra do Ceará. A bebê permanece internada há mais de uma semana, sem previsão de alta.


A mãe, de 22 anos, relata que havia saído de casa com a filha para comprar batata frita. Repentinamente, ouviu o barulho dos tiros. A bala atingiu perfurou a bexiga da bebê e passou para a outra perna, quebrando o fêmur. A criança está à base de soro e a mãe tem dificuldade para comprar as fraldas e para conseguir o dinheiro da passagem de ônibus para o deslocamento. O pai da menina está desempregado. A mãe dorme todos os dias no hospital. A avó fica lá durante o dia. A família ainda não sabe como serão os cuidados quando a bebê voltar para casa.


Também em agosto, no dia 6, menino de dois anos foi atingido. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social informou que policiais se desentenderam com moradores e um dos militares realizou “disparo de advertência”. O tiro resvalou em uma parede e atingiu o menino na perna. O menino teve alta. A bala ficou alojada na tíbia.


Recomeço


Voltar à rotina ainda é desafio para menino de oito anos, atingido na cabeça por bala perdida em novembro de 2015, quando tinha seis. Ele saia de um pula-pula, no Lagamar. Ficou em coma por três meses, na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Após receber alta, ficou sem o movimento de uma das pernas e com a bala alojada no cérebro.


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Os pais eram dependentes de crack. O garoto foi levado para a casa de uma avó, onde relata ter sido maltratado. “Minha tia jogava balde de mijo em mim, me queimava. Uma vez queimaram meu colchão, me derrubaram da cadeira de rodas”, conta o menino.


Ele peregrinou por pelo menos três comunidades — Cidade de Deus, Alto Alegre e Maria Tomásia — até ser acolhido por uma tia. Hoje, convive com outras duas crianças, na Cidade dos Funcionários. Para mantê-los, a tia conta com benefício de R$ 420 do Bolsa Família.


O menino tem direito a benefício por invalidez. Mas, para receber, a tia precisa ter a guarda. Isso depende da assinatura dos pais, o que não ainda aconteceu.


Na casa da tia, o menino teve a oportunidade de estudar pela primeira vez. Quando chove, a cadeira de rodas não passa e ele não tem como ir à aula. Perguntado sobre se tem algum sonho, ele responde: “Andar”.

 

Silêncio


Há subnotificação de casos de bala perdida porque famílias temem registrar Boletim de Ocorrência. Uma vez feita a denúncia, a Polícia vai até o local para investigações, o que pode incomodar grupos criminosos.


No dia em que a bebê de cinco meses foi baleada, a Secretaria da Segurança Pública informou ao O POVO não haver registro do caso. A mãe confirmou que não registrou BO e que o socorro não foi realizado por ambulância, mas pelos próprios moradores.


Adolescente de 16 anos foi apreendido na sexta-feira, 1º, suspeito de participar do tiroteio.

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