A contradição foi revelada em pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência encomendada pela empresa Skol. De acordo com o levantamento, apesar do alto número de pessoas que assumem fazer comentários ofensivos, apenas 13% dos nordestinos se consideram preconceituosos.
Realizada em todo o Brasil, a pesquisa se baseou em quatro tipos de discriminação representados por frases usuais: machismo, LGBTfobia, preconceito estético e racial. Além de perguntas diretas sobre como cada indivíduo se enxerga, as pessoas foram questionadas se já ouviram ou disseram determinadas frases, como “Mulher tem que se dar ao respeito”, “Pode ser gay, mas não precisa beijar em público”, “Não sou preconceituoso, até tenho um amigo negro”, “Ele(a) é bonito, mas é gordinho(a)”, entre outras.
Com essa metodologia, o levantamento constatou que todas as formas de preconceito estão presentes no cotidiano do brasileiro, seja praticado ou apenas presenciado. No Nordeste, 59% das pessoas entrevistadas já fizeram comentários machistas, 43% assumiram comentários homofóbicos, o mesmo percentual de pessoas que usaram frases racistas. Além disso, 28% dos entrevistados diz já ter feito comentários gordofóbicos.
A socióloga Paula Vieira avalia que esse comportamento se deve à forma como as pessoas são formadas. “Os indivíduos são formados dentro de padrões estabelecidos na sociedade que são interiorizados e condicionam o comportamento, a fala, a forma de comunicação. E essa linguagem vai dizer muito sobre o que há de simbólico dentro desses valores sociais compartilhados, como machismo, racismo, homofobia”, afirma.
As frases mais utilizadas na região nordestina foram “Mulher tem que se dar ao respeito” (49%), “Não sou preconceituoso, até tenho um amigo negro” (23%), “Ele (a) é bonito (a), mas é gordinho” (24%), “Isso é coisa de viado. É viadagem” (23%) e “Ela não é mulher para casar” (21%).
De acordo com Paula, a contradição em relação ao baixo percentual de pessoas que se consideram preconceituosas é comum. “Isso parece contraditório, mas as pessoas são construídas de muitos valores que se contradizem mesmo. Há uma resistência maior em relação a esse preconceito por parte dos movimentos sociais. As pessoas tendem a não querer fazer parte do que é negativo, mas continuam a reproduzir alguns desses valores”, explica. E completa: “É mais fácil a reprodução do que a transformação”. (Eduarda Talicy e Sara Oliveira)
"Mulher se dá o respeito sim. Primeiro, nós mulheres somos muito independentes, temos a mesma responsabilidade que o homem. Aliás, no meu modo de vista, trabalhamos mais, porque ainda temos os afazeres domésticos. Os homens acham que a gente tem de ficar em casa esperando eles chegarem. Eles acham que não podemos ir ao estádio, ao barzinho…. já pensa ‘ah, estádio não é canto para uma mulher, isso é coisa de quem não se dá o respeito’. Somos livres, trabalhamos, pagamos nossas contas e eu não vejo nada de anormal em a mulher participar do que quer”
Lucivânia Bernardo, auxiliar e técnica de enfermagem
Não me espanta que 83% dos entrevistados nessa pesquisa se declarem não preconceituosos, pois, muitas vezes, o preconceito está bem presente no dia a dia, porém disfarçado de brincadeira, comentário dito inofensivo ou ainda pior: justificado por ‘é a minha opinião’. Por ser mulher já escutei frases como ‘mulher no volante perigo constante e fui julgada como ‘mulher que não é pra casar’ pelas minhas escolhas de vida, assim como diariamente escuto brincadeiras ofensivas do tipo ‘isso é coisa de viado, é viadagem’. Sempre reajo tentando mostrar que aquela atitude é sim preconceituosa e precisa ser mudada já. É preciso expor essas atitudes para que possamos um dia mudar essa situação. Só quando tomarmos consciência das falas e atitudes que reproduzimos, e praticarmos a empatia de nos colocarmos no lugar do outro, iremos perceber o quanto aquela ‘brincadeirinha’ pode ofender o próximo e deve ser evitada”
Mariana Matos, 30, administradora
As pessoas acham que ser gay é ser afeminado. Existe um senso comum sobre isso, que tem de ser afeminado. Mas não necessariamente. E mesmo que seja afeminado, qual o problema? Eu tenho a consciência de que os homens mais afeminados estão na linha de frente, que recebem a primeira pancada. É um direito que sejamos do jeito que quisermos. Quando eu contei sobre ser gay para algumas pessoas, me disseram: ‘ah, é tão bonito o teu jeitinho, todo arrumadinho’. Mas cada um tem seu jeito e todos precisam respeitar”
Gustavo Santos, 23, estudante
As pessoas têm o discurso racista já intrínseco e, quando a gente aponta que é um expressão racista, as pessoas não aceitam, acham que há um vitimismo. Eu enxergo o racismo a todo instante, na escola quando se omite os mais de 300 anos de escravidão, o atendimento de saúde negligenciado à mulher negra, uma professora negra que vai trabalhar em escola particular que tem que alisar os cabelos. Isso é tão forte, que uma pessoa negra, para ser bem aparentada, tem que ter traços afilados, o corpo delgado, não ter boca grossa. Eu acho que a gente só vai superar isso quando a escola fizer um trabalho de inclusão verdadeiro, sem ser somente passando por temas transversais. Tem que aprofundar esse discurso. Nesta semana, eu estava andando de bicicleta em uma ciclofaixa próximo ao Bom Jardim e éramos três pessoas, duas negras e uma branca no mesmo caminho. Um policial que também é preto veio e só parou eu e o outro rapaz negro. Eu questionei. Ele bateu na minha minha cabeça e disse: ‘Vocês que são negros veem racismo em tudo’”
Germano Santos, 39, autônomo
Rosto bonito não é elogio. É uma crítica disfarçada do resto do corpo. A sociedade ainda impõe os limites dos padrões corporais e o que está além desses padrões é tratado como desleixo. Existe uma tendência real da moda em produzir peças para os variados tipos de corpos. A aceitação do próprio corpo pode sim ser uma escolha bem feliz”
Fernanda Colares, designer de moda
Isso parece contraditório, mas as pessoas são construídas de muitos valores que se contradizem mesmo. Há uma resistência maior em relação a esse preconceito por parte dos movimentos sociais. As pessoas tendem a não querer fazer parte do que é negativo, mas continuam a reproduzir alguns desses valores. (...) É mais fácil a reprodução (do preconceito) do que a transformação”
Paula Vieira, socióloga