Quando menino do campo, no Rio Grande do Sul, Leo — que, futuramente, seria dom Aloísio Lorscheider — contava que seu maior medo era ser condenado ao inferno. Há exatos dez anos, em 23 de dezembro de 2007, ele encarou a passagem para o outro plano. Mas, pouco tempo antes disso, menos angustiado depois de uma intensa trajetória dedicada ao catolicismo, a respeito do que seria seu último destino, disse: “Estou preparado. Sou curioso, quero ver o outro mundo. Viver face a face com Deus será, sem dúvida, diferente”.
[SAIBAMAIS]Primeiro brasileiro cotado para ser papa, dom Aloísio foi arcebispo de Fortaleza entre 1973 e 1995, até se mudar para São Paulo e, depois, de volta para o Sul. Seus 22 anos de experiência na Capital renderam manchete nos jornais locais desde que chegou ao aeroporto, vindo transferido de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, onde assumiu o cargo de arcebispo pela primeira vez. Naquele dia, ao público entusiasmado que o esperava desembarcar do avião, ele adiantou, com a humildade de sua formação franciscana: “Vim para servir, não para ser servido”.
[QUOTE1]Uma das suas primeiras contribuições, logo que assumiu a arquidiocese, foi reunir esforços para a conclusão da obra da Catedral Metropolitana, no Centro, que, até então, se arrastava há 34 anos — o templo começou a ser erguido em 1939 e foi inaugurado em 1978. Como o gaúcho já havia assumido empreitada semelhante em Santo Ângelo, logo ficou conhecido nacionalmente como “o bispo das catedrais inacabadas”.
Trabalho social
Outra urgência sentida por ele foi a de cuidar de quem vivia em extrema pobreza. A literatura conta que sua primeira obra social na Capital foi a campanha “Mensageiro da Fraternidade”. Numa kombi que circulava pelos bairros, pedia roupas e objetos em desuso. E, do alto-falante do automóvel, emitia: “O que sobra na sua casa está faltando na casa do seu irmão”. Além disso, a bordo de um fusca dirigido por ele mesmo, fazia questão de conhecer pessoalmente a vida das pessoas — independentemente se elas morassem na Capital, no Interior ou numa unidade presidiária.
Perseguição política
Defensor da democracia, dom Aloísio enfrentou perseguições durante o Regime Militar. Antes mesmo de chegar a Fortaleza, investigado por envolvimento com células comunistas porque pregava consciência política e igualdade entre os homens, foi preso em 1969 no que narrava ter sido o momento mais angustiante de sua vida. Futuramente, já na Capital, continuou a sofrer fortes intimidações como a vez em que tentaram arremessar uma bomba dentro da sua residência no anexo do Seminário da Prainha.
Relação com o Ceará
Enquanto morou em Fortaleza, o arcebispo constatou que “o cearense é um bravo”. E o povo, também, construiu uma boa relação com dom Aloísio. Tanto que, no discurso de despedida da Capital, em 1995, ele tentou abrandar os corações dos que ficaram, dizendo: “Não tenham medo, pequeno rebanho”. Futuramente, voltou à Capital somente para cuidar da saúde, que há anos estava ruim.
No novo século, distante das funções como arcebispo e de volta para os cuidados dos frades franciscanos, que ensinaram boa parte de tudo o que ele partilhou com o mundo, se ocupou em passar os meses que lhe restavam refletindo sobre a vida e sobre o que, hoje, representa a Igreja Católica. Em 2007, internado, bastante debilitado, recebia visita de parentes e amigos. Até que, às cinco horas e vinte minutos de um domingo, aos 83 anos de idade, se eternizou.
SAIBA MAIS
Escrita por Rotsen Aguiar, da Comunidade de Deus, a coletânea Lorscheider conta a história de dom Aloísio e relata seus ensinamentos, em três volumes:
Volume 1 - Biografia. Palavras Vivas
Volume 2 - Ensinamentos Universais
Volume 3 - Traços da Alma. Devocional Bíblico Diário
CHEGADA A FORTALEZA
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Em 6 de agosto de 1973, O POVO noticiava a posse de dom Aloísio como arcebispo de Fortaleza
80 ANOS
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No dia 8 de outubro de 2004, entrevista encerrou série especial o O POVO que comemorou os 80 anos de dom Aloísio
REBELIÃO
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Em 15 de março de 1994, numa das visitas rotineiras ao Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), em Aquiraz, dom Aloísio e outros religiosos foram rendidos por um grupo de presidiários. O caso foi noticiado no dia seguinte pelo O POVO. A rebelião envolveu, além dos padres, autoridades políticas, gestores do poder público e fotógrafos como João Carlos Moura, que estava a serviço do O POVO. O sequestro durou até o outro dia, quando os detentos negociaram uma fuga. Dias depois, dom Aloísio retornou ao presídio e perdoou os agressores.
A PARTIDA
[FOTO5]No dia 23 de dezembro de 2007, dom Aloísio morreu, na Santa Casa de Porto Alegre, aos 83 anos. Ele estava internado desde 28 de novembro por causa de insuficiência cardíaca. O POVO do dia seguinte contou a história.