A comunidade litorânea do Poço da Draga, em Fortaleza, celebra seus 119 anos de história com uma programação que envolve moradores, parceiros e visitantes.
A festa começou na quinta-feira, 22, e segue até 26 de maio, data que remete diretamente à inauguração do primeiro porto da cidade, a Ponte Metálica, também conhecida como Ponte Velha, construída em 1906.
O Poço da Draga é uma das ocupações mais antigas da capital cearense, localizada na Rua dos Tabajaras, vizinha ao Centro Cultural Dragão do Mar, Caixa Cultural e à Indústria Naval do Ceará (Inace).
A comunidade nasceu ligada às tentativas de consolidação de um porto para Fortaleza, abrigando inicialmente pescadores, marisqueiras, trabalhadores portuários e migrantes do interior, que fugiam da seca em busca de melhores condições de vida.
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Sérgio Rocha, mais conhecido como Serginho, é geógrafo, historiador e guia do projeto “Rolé Expresso da Draga”, passeio que resgata a memória do território. Ele lembra que a primeira celebração dos aniversários do Poço começou em 2008, quando a comunidade completou 102 anos, em meio à ameaça da construção do Aquário Ceará.
A mobilização surgiu como resposta à falta de planejamento para o antigo porto e à ausência de políticas públicas para a área, em contraste com a proposta do Aquário, que, segundo Serginho, “não tinha vínculo local nem coerência com os usos da praia, como o surf e a pesca”. Desde então, a celebração cresceu, ocupando também o entorno do pavilhão da comunidade e atraindo cada vez mais apoio e participação.
Para Cassia Vasconcelos, articuladora social do Poço da Draga, a comemoração dos 119 anos tem um papel fundamental na afirmação da identidade da comunidade. Filha e neta de portuários, ela ressalta que o evento serve para chamar a atenção da Cidade para a história e as potencialidades do local.
“Nosso objetivo é trazer o olhar da cidade para a nossa comunidade e para tudo o que temos de potência aqui. As decisões sobre o nosso território precisam passar por nós, moradores”, destaca Cásia, reforçando a luta contra a especulação imobiliária que ameaça o espaço.
A programação do dia 24 começou de forma simbólica e potente: o plantio de cerca de 40 mudas de árvores, entre nativas e frutíferas, como acerola, pitanga, murici e coqueiro, na faixa de praia da comunidade.
A ação foi organizada em parceria com o coletivo socioambiental “Nosso Ceará”, fundado por André Comaru, que explica o propósito do grupo: “Nosso trabalho surge como resposta ao descaso com a natureza na região da Praia de Iracema e do Poço da Draga. Nosso objetivo é fortalecer a relação da comunidade com o ambiente que ela ocupa.”
O plantio reuniu moradores, crianças e visitantes. A pequena Helena, de 7 anos, acompanhada da mãe, Carolina Araújo, e da irmã, Isadora, de 4 anos, resume a experiência de forma simples e poderosa: “A melhor parte foi plantar e tirar o lixo.”
A comunidade também se movimenta economicamente. Um dos exemplos é a “Feirinha do Poço”, idealizada por Djeyne Rudolf. A iniciativa começou como um brechó entre amigas e hoje reúne artesãos e vendedores locais, promovendo a economia circular e fortalecendo os negócios da própria comunidade.
“Aqui é o nosso lar. É onde moramos, criamos nossos filhos e queremos que eles tenham a mesma infância que tivemos: correndo na rua, na praia, com liberdade. A praia é como o nosso quintal”, conta Djeyne.
O jardineiro e vendedor de mudas Michel da Silva, morador do Poço há 29 anos, relembra com saudade a infância na comunidade. “Minha primeira escola foi no Pavilhão Atlântico, era pertinho de casa. A gente saía da aula e ia direto tomar banho na praia ou brincar no mangue, que era bem maior e mais verde. Tinha balanço nas árvores. Era muito bom”, recorda.
A história de resistência também se reflete na arte e na cultura. O baiano Rafael de Santana, que vive no Poço há cinco anos, criou a banda Dragaxé, um projeto social que oferece aulas de música para jovens da comunidade.
“Eu fui muito bem acolhido aqui. O Poço da Draga me recebeu de braços abertos e hoje eu retribuo isso ajudando a comunidade. Quero que mais gente de fora venha conhecer esse lugar incrível, sua história e sua luta”, afirma.
Se o Poço da Draga chega aos seus 119 anos resistindo em meio à especulação imobiliária e aos desafios urbanos, é graças ao seu forte senso de coletividade, aos laços familiares e ao lema que ecoa por toda parte: “Nada sobre nós, sem nós.”
A festa acontece no Pavilhão Atlântico, no calçadão da Praia do Poço da Draga e na Areninha, com uma programação que reúne painéis sobre território, moradia, sustentabilidade, educação e cultura, além de rodas de conversa sobre políticas públicas no território da Praia de Iracema até segunda-feira, 26. Confira a programação completa.