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Arthur Veríssimo. "O jornalismo tem que sair da caretice"
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Arthur Veríssimo. "O jornalismo tem que sair da caretice"

Cultura: Autor do livro Gonzo - 30 anos de jornalismo transcultural, o repórter de viagem Arthur Veríssimo veio ao Ceará para conhecer Quixadá e conversou com O POVO sobre sua trajetória
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Renato Abê
renatoabe@opovo.com.br


Já são 33 anos descobrindo e redescobrindo o mundo, seja pela fé, pelo sexo ou pela cachaça. Arthur Veríssimo soma, pelo menos, 70 países em seu passaporte sem fronteiras. Ele é jornalista especializado em viagem e está na Revista Trip desde a sua fundação, em 1986. Também documentarista, apresentador de TV e DJ, o carioca radicado em São Paulo tem entre seus projetos bem sucedidos o programa Na Fé, no Discovery Channel, e Sexo no Sofá, no Canal Futura, além da série Bendita Marvada, da Globosat.
 

Amante de países como a Índia, Veríssimo é também conhecedor profundo da própria terra. Ele já embrenhou incontáveis vezes no país que vai além dos roteiros turísticos. Em passagem pelo Ceará, o repórter conheceu Quixadá na última semana. Ele acompanhou o encontro dos Profetas da Chuva e viu com olhos de tristeza a seca do açude do Cedro. Em entrevista ao O POVO, ele falou sobre jornalismo, viagem e “desconstrução”.

O POVO – Seu pai nasce em Garanhuns (PE) e sua mãe vem de família de Itapipoca (CE), que migrou para o Acre. Você, porém, nasceu no Rio de Janeiro e mora em São Paulo. Esses percursos te inspiraram a amar viagens?
Arthur Veríssimo – Eu me sinto um amálgama da história do Brasil.Uma mãe acreana, um pai pernambucano, nascido no Rio de Janeiro, e fui morar lá em Santo Amaro (SP), que é o bairro mais populoso de norte-nordestinos no Brasil. Para mim foi uma dádiva. E quando tinha 15, 16 anos, numa livraria, no lance do autodidatismo, eu descobri um guru indiano, o Osho. A minha vida se desviou completamente. Minha mãe com todas as tradições ameríndias dela, papai católico, mas ao mesmo tempo com esses aspectos da cultura indígena brasileira, com o candomblé, a umbanda. Isso me deu todo esse estofo. No limite da minha ignorância, eu comecei a entender o mundo.

OP – Que aspectos mais cruéis o mundo já te revelou?
Arthur – A xenofobia que a gente vê pelo planeta, o apartheid que existe entre ricos e pobres. Aqui no Brasil a gente vê essa divisão muito clara. Não é divisão de raça, aqui é divisão de grana. O cara, se é pobre, é de uma casta inferior.

OP– O que mais te completa numa viagem: conhecer as pessoas, conhecer as paisagens, saber da história?
Arthur – Todos esses elementos. Mas o ser humano anônimo é algo inacreditável. Não precisa você viajar para a Índia, China, África. Eu torno a dizer, o Brasil é fascinante. A gente tem tantas paisagens, tantos biomas, biomas de pessoas, a diferença de sotaques que existe nesse País, o amálgama de grupos que existem. Isso daqui é um caldeirão étnico. A gente tem que aproveitar isso.

OP – o que o jornalismo gonzo te ensinou?
Arthur – Todo mundo sempre coloca o jornalismo gonzo como Hunter Thompson. Lógico, ele foi um jornalista único, mas um cara que sofria muito, ele até se suicidou. Mas os textos eram impetuosos, em estados alterados de consciência. Mas é importante dizer que toda essa tradição vem do Marco Polo, dos grandes exploradores, do Vasco da Gama a Pedro Álvares Cabral. Era gonzo jornalismo absoluto e o maior de todos é o Jack Kerouac que é o cara que fez aquele livro chamado On The Road, que o Walter Salles fez o filme.

OP – Você não apenas observa uma realidade e, sim, procura vivenciá-la. O que isso diferencia no seu jeito de contar histórias?
Artur – Tem um extrato do jornalismo que é muito careta que a pessoa se distancia, só fica de observador. Qualquer um pode ser observador, você tem que trazer os elementos, as imperfeições daquilo que você vê. Distante, o louco é inacreditável. Próximo, essa pessoa vira um provocador. Então você tem que provocar uma reflexão para o seu leitor, se não vira bula de remédio.

OP – A imprensa brasileira está precisando de mais ousadia nesse sentido?
Arthur – Nós temos grandes jornalistas aqui no Brasil. Eu acredito que a gente não está ‘tão quebrado’. A questão é o formato, que deixou muitos jornalistas que têm extremo talento quadradinhos. O jornalismo tem que sair da caretice.

OP - O seu método é se desconstruir diante das realidades que encontra?
Arthur – Meu método é deixar o leitor à vontade, eu o levo para um mundo que parece imaginário, mas é um mundo real. Uma vez eu fui lá para o Acre para rituais com grupos indígenas Ianauás. Na festa deles passei pela experiência da desintoxicação com o veneno do sapo. A câmera me filmando e eu comecei a engrossar a voz, eu fiquei inchado, passei por aquele momento que foi um desgaste psicológico, físico, mas inacreditável. Eu um homem com mais de 50 anos naquele momento parecia que tinha 20, com uma vitalidade incrível. Eu passo por esses experimentos e tento passar isso por telespectador e para o leitor. Isso é que é o fundamento do jornalismo, você tem que passar sua experiência vital.

Veja vídeo:

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