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Entrevista. "Canto para não chorar"
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Entrevista. "Canto para não chorar"

O Vida&Arte teve acesso a uma entrevista inédita que Violeta Parra concedeu em 1966, um ano antes de sua morte
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Em seu último ano, vítima de uma depressão severa, Violeta Parra já demonstrava obsessão pela morte. A rejeição de muitos de seus compatriotas e a instabilidade de suas relações amorosas a haviam lançado em um cenário de angústia e insatisfação, mesmo tendo sua obra reconhecida em cenários culturais de todo o mundo. Quando se instalou em sua tenda em La Reina, mergulhando em uma vida sem comodidades, acabou vendo se acentuar
sua solidão.
 

“Violeta Parra trabalhou durante toda sua vida de maneira autônoma, sem prêmios nem fundos estatais de nenhum tipo para seu projeto de investigação e divulgação do folclore chileno e com um roteiro de trabalho que ela mesma criou e desenvolveu”, explica a jornalista Marisol García, especializada em música popular chilena e autora do recém lançado Violeta Parra en Sus Palabras, reunião de 14 entrevistas inéditas que a artista concedeu no Chile, Argentina e Suíça.
 

Marisol cedeu com exclusividade uma dessas entrevistas a O POVO. Nela, realizada em 1966, Parra dá mostras de sua genialidade ácida e faz comentários sobre as satisfações que sua carreira artística lhe deu - “absolutamente nenhuma”, e sobre o papel da cultura tradicional chilena em sua formação. Com um pessimismo mal disfarçado, permite-se sinceridade, “se você chama de triunfar ter recebido alguns prêmios e ter várias gravações, para mim isso não é mais que lavar pratos”.

Que tipo de satisfações você obteve a partir de sua carreira artística?
Violeta Parra -Absolutamente nenhuma. Somente sacrifícios e lutas contínuas. Tudo o que você vê aqui é produto de minhas próprias penúrias. No Chile não se compreendem certas coisas.
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Você está de acordo com a nova modalidade da canção chilena típica? Se sua resposta é afirmativa, quais seriam, em sua opinião, os intérpretes que souberam catalisar da melhor forma a revolução de nossa música?
Parra - Não me agrada julgar ninguém. Quem sou eu para fazê-lo? Mas eu gostaria de uma coisa: que esses autores e intérpretes tirassem de uma vez por todas as máscaras. Os cantantes coléricos não negam que o são… os novos intérpretes folclóricos não sabem para onde vão. Se querem brincar com nossa música, já o estão fazendo. Se querem ganhar dinheiro, o fazem efetivamente. Mas se querem ser a bandeira da música nacional, deveriam  perguntá-lo ao escudo.
 

Como você definiria o folclore e qual seria o principal objetivo dele?
Parra - Não sou nada mais que uma humilde cantora que apenas sabe falar. Eu interpreto e o público julga; é ele que deve responder esta pergunta. Canto para não chorar… e é terrivelmente certa esta afirmação. Não são poucos os que dizem que o canto é o lamento do povo.

Entre os autores de música chilena, quais são seus preferidos?
Parra - Embora você não acredite, não tenho nenhuma preferência definida. Gosto de todos.

A que você atribui que toda a sua família - irmãos, filhos, sobrinhos e marido - esteja dedicada a algum cenário da arte nacional? Um dom hereditário? Convivência? Compreensão? Outra razão?
Parra - Todo o povo do Chile é artista, e nós somos do povo.

Como irmã de Nicanor Parra e como poetisa, quais deveriam ser, em sua opinião, as características essenciais de uma
poesia popular?
Parra - Volto a repetir: não sou mais que uma cantora e, também, pintora. Tudo o que faço é porque me nasce assim. Escrevo, pinto e canto de forma espontânea e instintiva.

Folcloricamente, como você definiria o povo chileno? Alegre, triste, picaresco, gaiato, pessimista?
Parra - Realmente não posso definir nosso povo. Creio que são os presidentes que têm a palavra sobre isso, pois são eles que jogam bola conosco e nos definem ao seu próprio gosto

De suas viagens ao exterior, o que foi que mais te impressionou?
Parra - Estar longe do Chile e de meu Chillán (região chilena).

Você acredita que as canções folclóricas têm uma influência notória na atitude do povo?
Parra - O que a água pode fazer ao peixe quando foi nela que ele se criou?

Seus filhos, Ángel e Isabel, conseguiram se impor na onda folclórica atual. Como você os qualificaria? A quê você atribuiria seu êxito?
Parra - Como mãe de Ángel e Isabel, não posso defini-los artisticamente. Seria muito feio que eu mesmo fizesse propaganda da família. Em todo caso, como filhos só me dão satisfações.

Então, como você qualificaria seu próprio triunfo?
Parra - Eu ainda não triunfei. Se você chama de triunfar ter recebido alguns prêmios e ter várias gravações, para mim isso não é mais que lavar pratos.

Como você definiria Violeta Parra como mulher, como esposa, como mãe
e como artista?
Parra - Como mulher e como esposa, meu Gringo tem a palavra. Que ele te conte como encontra minhas humitas, meu porco à pedra, minhas empanadas fritas e minhas mistelos (pratos da culinária chilena). Como mãe, creio que devo ser um demônio de sete cabeças. E como artista sou uma formiguinha que busca abaixo da terra onde pode refugiar seu coração.
(tradução de Jáder Santana)

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