Sandra Helena de Souza
souza.sandraelena@gmail.com
Professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)
Se você só se informa pela mídia tradicional, rádios, TVs e jornais impressos, incluindo este em que escrevo, certamente não soube da manifestação no dia 21 próximo passado que reuniu centenas de pessoas em Brasília diante do STF pela anulação do impeachment da presidente Dilma, sob organização do Partido da Causa Operária. Certamente também não sabe que comitês espontâneos pelo #AnulaSTF se formam país afora, compostos em sua maioria por mulheres - aqui no Ceará, o “Mulheres com Dilma”, combativo coletivo de senhoras que lutaram pela Anistia, pelas Diretas dos anos 1980, e contra o Golpe de 2016 está à frente do movimento.
Dilma é frequentemente criticada por setores do campo progressista e pelos lulistas em especial, não sem razão e para além, mas também como corolário de seu temperamento pessoal, por não saber “jogar” o jogo político. Abstraio aqui de toda a controvérsia em torno dos erros da condução da política econômica e de comunicação que ela mesma já admitiu em várias das suas falas públicas e me concentro no ethos da política institucional propriamente dita. Para facilitar as coisas, resumamos esses argumentos assim: “ela foi muito ‘inflexível’ com os esquemas do PMDB, coisa que Lula foi competente para administrar”.
Uma já considerável literatura se arrisca a quente a analisar sua queda à luz do célebre Maquiavel. Debruçada sobre isso, me divirto com as posições que ora a consideram desprovida de qualquer astúcia, sem deixar de enfatizar sua ‘truculência’ (de que nem o distinto Haddad escapou), ora a enaltecem como um poço profundo de força e integridade inúteis - uma “leoa burra” na melhor das hipóteses. Menos, camaradas.
Uma longa entrevista concedida a Marco Piccin e Walter Pomar no site Página13 mostram que na verdade ela é peça-chave do jogo da recomposição da democracia no Brasil. Como em outras ocasiões, enfrenta com franqueza e peito aberto seus críticos interlocutores, demonstra uma inteligência e perspicácia incomuns na análise das questões geopolíticas e econômicas e nos elucida o motivo de Lula tê-la querido sua sucessora.
Leitura obrigatória e incontornável para a jovem geração, como incontornável é o coração valente dessa mulher cultíssima e segura de si que ao final, depois de citar Freud afirma: “eu me dou o direito de achar que não está na hora da minha melancolia”.
No artigo anterior afirmei que nesse terrível ano apenas ela melhorou a vida. Isso talvez explique por que nem ela ou os entrevistadores tenham falado na anulação do impeachment mesmo sabendo que o pedido da liminar de sua defesa foi reencaminhado em maio último para o ministro relator que substituiu Teori e vem a ser... Alexandre de Moraes. Sim, podem gargalhar.
Politicamente impossível diz-se em coro quanto à anulação, embora concordem que é o único correto do ponto de vista “ideal”; se aceita como possível que o Ilegítimo continue, com reformas, com bagaceira, com supremo, com tudo e mesmo que eleições nos levem a ainda mais retrocessos.
As mulheres e manifestantes em Brasília acreditam, porém, no inevitável da anulação. Um “em si” ainda sem “para si”, em bom hegelianês. Mas o correto é ao menos possível, como diz Kant e, sim, dona Dilma, de repente a consciência vira “para si” e el@s saberão o porquê: não mais absorver perdas. Não mais.