Iran Giusti. Após polêmica envolvendo a exposição Queermuseu, o criador da página Criança Viada (criancaviada.tumblr.com) decidiu retomar as postagens interrompidas há três anos. A volta foi em protesto ao cancelamento, em setembro, da mostra pelo Santander Cultural de Porto Alegre, depois de críticas de grupos contrários à exibição que tinha a diversidade sexual e de gênero como tema. A página do paulistano de 28 anos inspirou obra homônima da artista plástica Bia Leite. O trabalho leva para a linguagem do grafite as fotos de adultos na infância em situações “pintosas”, tal como divulgadas na internet. A obra foi acusada de incentivar a pedofilia, o que é rebatido com veemência por Iran. Ele defende que a página discute a maneira como a diversidade é tratada na infância.
“Qualquer coisa que transpasse pelo debate de gênero vai ser confundido com sexualização”
O POVO - Desde a criação do tumblr Criança Viada, esta foi a primeira acusação do tipo?
Iran Giusti - Foi o primeiro ataque. Na época do tumblr, tiveram pessoas que acharam de mau gosto, que a divulgação das fotos poderia gerar bullying. Isso é uma má interpretação e tudo foi tirado de letra, dialogando. Mas essa colocação de que a obra da Bia Leite, inspirada no tumblr, é pedofilia eu não entendo como interpretação. Entendo como uma distorção de má-fé, para gerar polêmica.
OP - Como você entende essa acusação?
Iran - A gente tem que pensar em um contexto maior. Há alguns anos, o debate de gênero na escola, que ficou popularmente conhecido como kit gay, foi retirado do Plano Nacional de Educação, em um processo de barganha com a bancada conservadora. O tema gênero e infância não é falado. Qualquer um que, de alguma forma, quer abordar esse tema vai ser atingido diretamente também. A interpretação da pedofilia é o posicionamento de uma agenda conservadora que não quer falar sobre gênero e diversidade e qualquer abordagem que esbarre nisso vai ser acusada de pedofilia.
OP - Houve uma tentativa, por parte dos acusadores, de associar a obra com a sexualização da infância. Na sua avaliação, isso ainda tem a ver com conservadorismo?
Iran - Com certeza. Qualquer coisa que transpasse pelo debate de gênero vai ser confundido com processo de sexualização, porque eles (os conservadores) não entendem como legítimo esse debate e qualquer existência que não esteja dentro do modelo heteronormativo.
OP - Você tinha criado o tumblr com uma ideia de militância?
Iran - Não, de forma alguma. Um amigo postou uma foto dele na infância, no Dia das Crianças, e colocou como legenda “criança viada”. Eu pedi pra usar a expressão e criei o tumblr. De uma hora para outra, a galera ficou enlouquecida e mandou várias fotos. O tumblr tinha o propósito de falar sobre gênero. Inclusive, de início, eram só crianças adultas LGBTs, mostrando que eram pintosas e LGBTs desde sempre. Mas, depois, eu recebi um monte de foto de héteros também dizendo que eram crianças viadas na infância. E aí começou esse debate sobre gênero e construção de estereótipos na sociedade.
OP - As crianças estão imunes a esses estereótipos e aos impactos dele?
Iran - A grande questão do Criança Viada é que não existe nada de errado em falar sobre homossexualidade e infância. A gente precisa falar sobre isso, porque tudo isso é orientação afetiva e identidade de gênero. Isso não é sexo. A gente está falando sobre o que significar ser LGBT, que você não vai seguir, necessariamente, os padrões que existem nem tudo o que é esperado da masculinidade de um menino ou da feminilidade de uma menina. Esse debate é sobre os adultos. Sobre como a gente vai interpretar essas crianças, sobre como a gente vai fazer com que cada um se sinta confortável dentro desses trejeitos, dessa afetividade e dessa existência. Não passa pela questão do sexo, mas pessoas vão sexualizar sim. As pessoas vão entender os trejeitos de um menino afeminado como de um menino bicha e ele vai sofrer as agressões e a homofobia. Então, é muito complicado a gente ignorar esse debate.
OP - Com o fechamento da exposição, você decidiu retomar o tumblr, fechado desde 2014. Agora, ele se transforma nesse instrumento?
Iran - Agora, ele é não só um instrumento de militância, mas um instrumento de enfrentamento, para incluir outras pessoas nesse debate. Com fotos de crianças em poses inusitadas e em contexto divertido, a gente consegue acessar pessoas que nunca tinham sabido do debate de gênero. Ele atrai pessoas para essa discussão com uma forma que não é acadêmica.
Por Rômulo Costa
Repórter do O POVO