 
            Rosângela Talib. Após comissão especial (predominantemente masculina) da Câmara dos Deputados aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181 no último dia 8, mulheres foram às ruas de capitais brasileiras protestar diante do avanço da possibilidade de proibição e criminalização do aborto mesmo em casos de estupro. Algumas das manifestantes seguravam cartazes com os dizeres “Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus”. As imagens delas logo viralizaram nas redes sociais. Eram representantes da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, coordenada por Rosângela e outras mulheres. Conheça a proposta do movimento e entenda a polêmica instigada.
 “A gente está defendendo a possibilidade de as pessoas decidirem sobre as suas vidas”
   
OPOVO - O que significa, para a ONG, defender a vida?
  
Rosângela Talib - Defender a vida das mulheres, que estão inseridas no meio social e que vivem relações.
  
 OP - Como vocês intermediam a relação com a Igreja Católica, que é contra o aborto?
  
Rosângela - O que a gente pretende mostrar é que, apesar de sermos  católicas e por sermos católicas, o que interessa é entender os direitos  reprodutivos como uma questão de autonomia — das mulheres, dos casais.  Quando a gente defende a possibilidade da interrupção da gravidez está  defendendo a possibilidade de as pessoas decidirem sobre as suas vidas.
 
 OP - Vocês sofrem preconceito na Igreja?
  
Rosângela - A Igreja Católica condena a interrupção da gravidez  entendendo como pecado mortal. Nem sempre foi assim, de que “a vida  começa no momento da concepção”. A gente afirma que é possível ser  católico e divergir dessa afirmação. Porque, nos ensinamentos da Igreja,  existem uns de questões morais difíceis de serem decididas, como o  aborto. A consciência moral é que vai ditar o comportamento. A gente  parte dessa premissa, de que as pessoas devem ter autonomia pra decidir  essa questão.
  
 OP - Como o feminismo é compreendido pelo catolicismo?
  
Rosângela - Pessoas que se dizem católicas, 80% delas dizem utilizar  métodos contraceptivos, mesmo que a Igreja condene isso. A prática dos  católicos em relação à sexualidade e à reprodução tem sido, muitas  vezes, de maneira divergente do que propõe a hierarquia da Igreja. No  feminismo, o que a gente propõe é que as mulheres sejam respeitadas  enquanto sujeitos de direito. Que não sejamos vistas como seres de  segunda classe ou que podem ser dominadas ou direcionadas em termos de  pensamento por um outro gênero que não o feminino. Na Igreja Católica,  as mulheres ainda não têm nenhum cargo no clero. Não podem nem ser  ordenadas. Ainda é uma estrutura extremamente patriarcal. A gente propõe  que isso seja revisto, que a gente possa ter a possibilidade de se  expressar internamente na Igreja, de sermos ouvidas.
  
 OP - Na internet, algumas pessoas questionaram a frase “Até Maria foi  consultada para ser mãe de Deus”, alegando que ela não teria sido  consultada e, sim, somente avisada. Qual foi a mensagem que vocês  quiseram passar com o cartaz?
  
Rosângela - O que a gente quis dizer é que não foi só anunciado, imposto  a ela. Ela aceitou. A maternidade não pode ser uma imposição biológica  simplesmente. Uma gravidez não dura nove meses. Dura nove meses e depois  demanda cuidados pro resto da vida. O vínculo entre mãe e filho nunca é  quebrado. Claro que algumas famílias podem rejeitar seus filhos, mas o  vínculo continua existindo. No caso de uma gravidez resultante de  estupro, é impensável que uma mulher seja obrigada a levar até o final,  como propõe a PEC 181. Não somos meras incubadoras. Não somos mulheres  só porque temos útero. Somos pessoas.
  
Por Luana Severo 
 Repórter do Núcleo Cotidiano