Os versos de Volver a los 17, uma das canções mais famosas da chilena Violeta Parra, abençoam a juventude. Nascida no ano em que se cumpre a Revolução Russa, e profundamente influenciada por suas medidas, Parra mergulhou a América Latina em seu caldo particular de revoltas. Convencida de que a cultura era a chave para a transformação, cantou as lutas, as mulheres, os negros, a pobreza e os abusos. Queria voltar aos 17 — a idade da coragem, o ano que mudou o mundo.
Cantada por nomes como Mercedes Sosa, Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gal costa, Volver a los 17 é um dos pontos altos do cancioneiro da revolução na América Latina. Assim como Parra, inúmeros outros músicos e artistas de outras linguagens são herdeiros diretos da ideologia de insubmissão que tomou o mundo de assalto a partir de 1917.
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O Colóquio Internacional Volver a los 17 Después de Vivir un Siglo: Literatura e Revolução Hoje?, que será realizado a partir de amanhã, 27, na Universidade Federal do Ceará (UFC), propõe um recorte cultural para o legado da Revolução Vermelha. Sua ressonância na literatura é o ponto de partida, mas o evento se propõe a ir além das letras, abrindo espaço para teatro, música, ciência e educação.
Confira abaixo o depoimento de pesquisadores que participarão do evento sobre a presença da Revolução na vida e na obra de dois de nossos maiores escritores.
Um comunismo natural
Acredito que nem se possa dizer que Graciliano Ramos era propriamente comunista. O professor Antonio Candido, em sua obra Ficção e confissão, fala de um “comunismo natural” em Graciliano, algo pré-partidário, que estaria ligado às injustiças vistas e sofridas durante sua juventude. Na verdade, Graciliano entrou no Partido apenas a convite de Luís Carlos Prestes, a quem admirava.
Sua visão política enquanto crítica social é muito presente em São Bernardo, Angústia e Vidas secas. Porém não se pode dizer que ela é político-partidária. Graciliano faz a crítica das estruturas de poder, colocando o homem, seja ele o explorador ou o explorado, no centro de sua narrativa. Nesse sentido, prevalece a visão da injustiça social, da desumanização sem se apontar propriamente qualquer visão ou solução revolucionária.
Nas Memórias do cárcere, por se tratar de uma autobiografia, vemos o escritor alternar momentos de posicionamento político mais explícito à esquerda como, por exemplo, quando ele menciona a exploração do trabalho, a questão da propriedade etc. com momentos em que o detalhe humano (individual ou coletivo) prevalece, muitas vezes sob o olhar perplexo do Graciliano-personagem.
Marcio Fonseca Pereira, professor do Departamento de Literatura da UFC
Utopia e engajamento
Em Jorge Amado, o sentido da revolução está no desejo de um projeto político para o Brasil, de mudança radical, na busca do bem estar social, que assegurasse a dignidade humana, em um país profundamente marcado pelas desigualdades sociais. Não há dúvida de que a experiência da Revolução Russa terá um forte rebatimento em sua literatura. Ele tematiza de forma extraordinária essa questão, criando em seus romances personagens com muita vitalidade, que carregam a crença na revolução, a despeito de um maniqueísmo que atravessa as histórias aí contadas. Quando se trata de engajamento, a literatura de Jorge Amado tem como divisor de águas a publicação de Gabriela, cravo e canela em 1958. Fazer uma literatura engajada implica em um posicionamento político, no sentido sartriano, frente a questões sociais marcadas por conflitos, tensões, disputas, interesses. No contexto em que Sartre discute essa questão, sem perder de vista o sentido da liberdade, faz uma crítica pesada aos escritores que se mantinham numa espécie de redoma, na torre de marfim, alheios ao mundo à sua volta.
Márcia Rios da Silva, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb)