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Otempo rodou num instante e lá se vão 50 anos desde que a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque, chegou ao público pelas mãos do diretor teatral José Celso Martinez Corrêa. Da estreia no Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, em 15 de janeiro de 1968, até hoje, o espetáculo teve trajetória de altos e baixos, se tornando um marco da cultura nacional. Se pelos censores da ditadura militar a obra foi considerada imoral e pornográfica, para o próprio autor, ela é apenas um desabafo juvenil. Inédita para o grande público até agora, a obra deve voltar aos palcos ainda em 2018.
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Entender o rumo de Roda Viva não é fácil, pois a contradição está em sua gênese. “A grande ambiguidade está já na montagem da peça, que critica o tropicalismo e foi dirigida pelo Zé Celso, um tropicalista”, aponta o historiador Gustavo Alonso, pesquisador musical. Embora o teor político tenha se destacado, a dramaturgia, na verdade, discute a indústria cultural. “A peça trata de uma questão estética, não há ali nada objetivamente político. O Zé Celso trouxe na montagem uma crítica social mais comprometida, porque o texto não é nada ousado do ponto de vista comportamental”, avança.
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A obra apresenta a história do cantor popular Benedito da Silva, que, diante das exigências do mercado da música, se vê obrigado a incorporar a persona Ben Silver, um ícone pop americanizado. A repercussão política, entretanto, não veio à toa. Ainda em 1968, uma apresentação da peça em São Paulo foi invadida pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que agrediu os artistas e destruiu o cenário. A comédia musical incomodou o regime por promover mobilização popular no sentido de problematizar a submissão ao poder hegemônico, que, à época, foi interpretado com um paralelo à situação da época.
“A invasão do Teatro Ruth Escobar não foi um ato apenas contra posicionamentos políticos mais claros presentes na encenação, mas também pelo tom libertário, pelo deboche, pela provocação, pelo questionamento de comportamentos padronizados”, aponta Roniere Menezes, doutor em literatura comparada e autor do livro O traço, a letra e a bossa. Para o especialista, Chico se firmou historicamente como “intérprete do Brasil” justamente por jogar luz nas múltiplas questões sociais do País. “Ele não trata apenas questões ligadas a problemas sociais, mas também à política cotidiana, a transformações comportamentais, à ética das relações, a alterações nas formas de produção e recepção artístico-culturais”, avalia.
Superestimada?
Apesar de ter entrado para história sociocultural como uma revolução no teatro brasileiro, a peça foi considerada pelo próprio autor como um trabalho menor diante da sua carreira. Tanto que ele passou décadas sem permitir a remontagem do trabalho e o texto, lançado em 1968 pela extinta Editora Sabiá, está fora de catálogo há décadas. Autor do livro ensaístico Simonal -Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga (Record, 2011), em que debate a construção da imagem de Chico como herói da esquerda brasileira, Gustavo Alonso aponta anacronismo nas análises sobre Roda Viva. “A peça é superestimada por ser sempre lida com os olhos do Chico que voltou do exílio como um símbolo, mas até 1968 a imagem que ele tinha era a do folclorista, do restaurador da tradição da cultura brasileira. Roda Viva é lida como parte da obra do ‘Chico resistente’, mas a imagem do ‘Chico resistente’ vem depois”, aponta.
O retorno
Em novembro último, Chico finalmente autorizou nova versão, que o Teatro Oficina, de Zé Celso, deve estrear ainda este ano. A resposta positiva veio para dar força à luta do grupo teatral, que enfrenta empresa de Silvio Santos. O empresário quer construir torres no terreno ao lado do Oficina. O grupo artístico, que luta há anos para que o terreno do entorno seja tombado, alega que a construção prejudicaria a estrutura do equipamento cultural, que dialoga com a vizinhança no bairro Bixiga. Em contato com O POVO, a produção do Oficina informou que a remontagem deve começar logo após as férias do grupo, no fim deste mês. A reportagem não conseguiu contato com
Chico Buarque via assessoria de imprensa.
Para a fundadora do bloco carnavalesco Mulheres de Chico, Vivian Freitas, a obra tem diálogo direto com o Brasil de 2018. “A peça é importante nesse momento porque o País está parecido com o dos anos 1960 no sentido de censura à arte”, afirma.. “Até hoje o Chico é xingado na rua, escuta que é comunista, as pessoas ainda mandam ele ir para Cuba”, completa.