Acredito que a nova montagem da peça de Chico Buarque, por José Celso Martinez Corrêa apresenta vários aspectos. Entre eles, podemos tratar, rapidamente, de três pontos: o primeiro revela o sintoma de uma ferida nunca cicatrizada na história do País, algo que sempre retorna trazendo à tona a percepção da dificuldade que temos, enquanto nação, de agirmos de forma mais potente com a noção de justiça social. Em certo sentido, tenho a sensação de que voltamos cinquenta anos no tempo e, assim como a personagem mitológica Sísifo, devemos recomeçar a luta. Entra aí o segundo aspecto: a arte traz em si uma potência renovadora que sobrevive a diversas atrocidades históricas, lendo-as a contrapelo. Nesse sentido, acredito que, em um momento em que forças progressistas coletivas parecem cansadas diante de tanta insensatez político-social, a nova encenação poderá contribuir para que se reacenda a chama do desejo de renovação das condições atuais do país. Para isso, certamente, retomará aspectos das primeiras montagens, associando-os a sonhos e indignações do presente. Para finalizar, creio que crítica, na peça, à “indústria cultural”, ao show business, diz muito de um tempo em que as fronteiras entre o espaço público e o privado parecem ter sido abolidas e tudo passa a ser gerido pela dinâmica do personalismo midiático. Na luta contra a “roda viva” do mercado midiático-cultural, que tudo padroniza, e as dinâmicas excludentes da política, precisamos recomeçar o trabalho de sísifo: resgatar e levar adiante nossa “voz ativa”, nosso desejo de estabelecer novas formas de vida em comum. Chico Buarque e Zé Celso abrem caminhos com a nova fase da peça Roda Viva.
Roniere Menezes, doutor em literatura comparada e pesquisador da obra de Chico Buarque