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O mar menino e a mulher-barco
DOM

O mar menino e a mulher-barco

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Da praia dos Crush, onde reinventei o mar de minhas memórias da antiga praia do Lido, imagino a manhã em que chegarei ao Mara Hope. Nadando com os colegas da escolinha Aquáticos do Brasil. Um magote de gente reunida aos sábados, cedinho, para virar peixe sem ter barbatana.


E desejo até maio, tempo do medo superado de nadar sem terra aos pés, a Mulher-Barco tenha regressado à ponta da Ponte dos Ingleses. Olhava-a da areia, enquanto aprendia a ser também do mar. Ou a via na subida das golfinhadas, quando eu voltava para tomar fôlego.


Pois bem, Fátima me ensinou a olhá-la pelo feminino. Aquela fumaça avistada soprante às ventanias de Iracema, na verdade, seria uma cabeleira. Está ali, ela. Corpo de barco, seios cheios de ostras e o cheveux na cara do voyeur.


Via um vapor barato cortando o Atlântico por essa banda da Terra. Muitas vezes querendo ir embora, mas retornar um dia porque existem amores. Fátima me fez rever, mas é uma moça... Talvez Iracema iludida por Martim.


Dodora Guimarães contou-me. Antes de 1994, quando Sérvulo foi convidado por Paulo Linhares para esculpir no mar daqui, a mulher teria sido inspiração na França no começo dos anos 70. Quando ele e o amigo Jacques Castex flanavam por uma cidadezinha portuária, do Sul de lá e arrasada pela II Guerra.


No molhe da terra estrangeira, se espantaram com o trajeto de um pequeno rebocador, uma fumaça em cabeleira e uma bola de fogo do sol. “C´est un remorqueur”, fotografou Castex. Não, “C´est une femme bateau”, desenhou Esmeraldo.


Jacques atalhou o gozo do amigo franco-caririense e ele estava prenhe da Mulher-Barco cabeluda. Aquela certeza de ter sido concebido da criação. Sem titubeio, iria parir dali algum tempo.


Foi em Iracema, quando retornou a Fortaleza de vez, depois de quase 20 anos forasteiro. Sotaque carregado de erres até partir, novamente, no ano passado, e ficarem as obras públicas aqui e pelo mundo.

 

La Femme Bateau foi amadurecida entre a casa de Fausto Nilo e uma caminhada à Ponte dos Ingleses. Esculpida também nas memórias da rua Pacajus, lugar da adolescência de Sérvulo por ali.

 

Primeiramente, ganhou corpo feminino em fibra de vidro e foi posta. Mas um dia, nos anos 2000, mergulhou no mar tentando ir embora numa grande onda de algum janeiro. Como ninguém se importou, apenas um surfista e Sérvulo, a Mulher-Barco foi com o mar.

 

Anos mais tarde, o artista voltou a ser convidado, agora por Auto Filho, para ressuscitar a moça. E o fez depois que os Bombeiros não a encontraram no fundo das pernas da Ponte.


A segunda Femme Bateau perdeu a cabeça pelo mar potente e foi embora, sem o barco, parte de seu corpo.


Conto, aqui, outra ignorância. Não sabia que a cabeça da moça, a cabeleira- fumaça girava num eixo de uma biruta.


A derradeira Mulher-Barco, a que foi a pique e resgatada por bravos da Guarda Municipal e dos Bombeiros, é a terceira parida por Sérvulo. Havia acabado de ser recuperada por Roberto Cláudio... Vai voltar...


A moça-navio não sai de minha imaginação. Talvez porque acolha o incômodo, muitas vezes, de querer deixar a Cidade pelo mar. Deixar o oceano levar até o Sertão sumir.


E achei uma boniteza o mar vir insistente, de novo, tentar levá-la. Veio chibata, indomável, expandido na Cidade que o acua. Que venha sempre nos avisar das coisas e levar a moça...


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