Para quem aprecia um bom gole desta embriaguez – o riso - aqui vão algumas pinceladas do seu processo de destilar o elemento moral, observado pela filosofia da arte. A proposição, de que tudo é relativo, é aplicado ao riso na medida em que se pode rir amanhã daquilo lamentado hoje.
Contextualização e descontextualizarão são duas grandes artes do riso. Em sociedades complexas como a nossa, reativar o expediente ambíguo do riso, faz parte cada vez mais de uma política de relações.
Com o humor, a literatura cria nova vida. Machado de Assis é mestre em colher o riso de situações embaraçosas ou mesmo contraditórias – a miséria da condição humana. Ora despojadamente lúcido ou ainda inócuo, ou isento de qualquer intenção (é possível?), seja qual for a dimensão do riso, Freud garante ainda a última palavra sobre uma de suas modalidades: o chiste (l` Esprit ou Witz). Ele se origina na relação com o inconsciente, até o coletivo.
Desde os tempos antigos, o riso tem sido objeto de reflexões: do humor espirituoso e da sátira ao sarcasmo, da ironia ao riso sardônico, ele é cotejado pela psicanálise como sabedoria, denúncia e superioridade diante da ordem em vigor. Prova disso é sua condenação em época de rigor ideológico ou doutrinário, por exemplo, em uma determinada fase da Idade Média. Tão demoníaco como o próprio diabo, o riso destruía o temor (eu disse terror?) – combustível para assegurar a necessidade do divino. Em outras palavras, uma vez desprestigiado o poder do cafute, enfraquecia-se a necessidade do Sumo-Bem. Um bom modelo nos dá Humberto Eco em O Nome da Rosa.
A literatura está repleta de personagens cômicos, hilariantes e galhofeiros que deslumbram a todos: da farsa do século XVII ao pastelão do século XX, do romance picaresco e da Comedia del arte aos trejeitos de Chaplin dos Tempos Modernos.
Mesmo na Antiguidade nem tudo é tragédia. Desta época lembramos a perplexidade de Alexandre, ao tomar conhecimento da sabedoria de Diógenes. Emocionado com a indigência daquele, dirige-se o imperador, do alto da sua soberania, ao filósofo:” Pede- me o que quiseres!” Ao que o sábio redarguiu - “Deixai passar o sol!”. Mas tocando as raias do nosso existencialismo doméstico, nós, gagos de além-mar, de que nos rimos? Rimos um riso de palhaço que chora, que ri por vocação para sobreviver. É o nosso riso de carnaval!
E apesar de todo efeito terapêutico do riso para a alma, especialmente neste terceiro mundo combalido, é seu irmão dileto, o sorriso, aquele que abre, quase sempre muitas portas. Portanto rir e sorrir parece resolver, em muitos casos, a questão.
TEREZA DE CASTRO CALLADO
mterecall@yahoo.com.b
Doutora em Literatura, em Filosofia , pós-doutora em Filosofia pela USP e pós-graduada em Germanistica - Munique, Alemanha