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2 dedos de prosa com Chico César
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2 dedos de prosa com Chico César

"A memória humana é da poética e não é da política"
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Chico César tem um currículo vasto e diverso. É músico, escritor, já atuou como jornalista e foi secretário da Cultura da Paraíba, acumulando em seus anos de carreira, para além dos oito discos de inéditas, uma atuação crítica e uma postura resistente a alguns setores mais industriais da cultura. O artista paraibano viaja o Brasil por meio do projeto Palco Brasil, e está em Fortaleza para temporada de shows na Caixa Cultural, que se encerra hoje. Em entrevista, o artista fala sobre os seus projetos, as suas expectativas e frustrações nos campos da política e da cultura.

 

O POVO: Este momento político pelo qual o Brasil passa, de tanta divisão, afetou a tua produção de alguma forma?

Chico César: Não, a minha produção tem uma relação sempre muito endógena e exógena. Eu sempre mergulho pra dentro e sempre salto para fora, desde o meu primeiro disco. Eu sou assim e procuro não me pautar pelas efemeridades da política. Eu acho que a poética é muito mais potente que a política e isso deixa os políticos muito putos, porque eles sabem que os discursos que eles fazem, no Senado, na Câmara, nos Tribunais, as pessoas vão esquecer. E o que os poetas disseram há tanto tempo, uma coisa que o Gregório de Matos disse há dois séculos, a gente vai ler e saber. A memória humana é da poética e não é da política.

 

OP: Quais expectativas você tem em relação às políticas voltadas para a Cultura no Governo que inicia no ano que vem?

Chico César: Eu acho que vai continuar o que se instaurou há dois anos, um desmonte de todas as conquistas que a sociedade brasileira teve nos últimos 15 anos. Não me aflige muito o desmonte da Cultura, mas me preocupa o que vem de políticas para as questões raciais, de gênero, indígena. No fundo, a arte e a cultura trabalham nessas questões, do gênero, do feminino, do trans, do índio, do negro, dos trabalhadores, e isso me preocupa muito mais do que o desmonte do Ministério da Cultura.

 

OP: Você, que toca um forró mais tradicional, se vê como resistência em meio ao crescimento de um forró mais pop?

Chico César: Uma das vezes em que eu estive aí em Fortaleza, fui procurado no camarim por Messias Holanda, recentemente falecido, inclusive uma grande perda. Ele veio me encontrar, junto a uma associação de forró, para me apoiar, porque, na época, eu estava secretário da Cultura da Paraíba e tinha dito que não ia gastar o pouco dinheiro público com dupla sertaneja e "forró de plástico". Ele e um dos forrozeiros vieram conversar, me apoiar enquanto eu estava sendo rechaçado pelos artistas ligados ao forró industrial. Se a gente matar a matéria-prima por falta de oxigênio, por falta de incentivo, você não terá o que reprocessar. Muito do que se chama forró hoje não tem uma ligação umbilical com as matrizes do forró, são escancaradamente artificiais. É como se não guardassem mais uma ligação com aquilo que é o forró. É diferente de "Flavinho" (Flávio) José que tem uma ligação profunda com o forró tradicional. Tem tantos tipos de forró, que, se você disser pra um estrangeiro que todos são forró, eles acham mais fácil dizer que é tudo música.

 

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