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Clóvis de Barros Filho. "O jornalista tem um papel cada vez mais relevante"
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Clóvis de Barros Filho. "O jornalista tem um papel cada vez mais relevante"

De saberes múltiplos, o jornalista e palestrante Clóvis de Barros Filho refletiu sobre Ética e Jornalismo e analisou o ano político no Brasil
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Jornalista, advogado, escritor, palestrante, professor de ética, e pensador da estirpe de Leandro Karnal e Mário Sérgio Cortella, Clóvis de Barros Filho fala de ética das pequenas coisas e dentro da convivência humana. Definindo ética como a diferença entre o que alguém faria se estivesse sozinho no mundo e o que na verdade se faz ao conviver com os outros, Clóvis palestrou, de forma bem humorada, no I Seminário Nacional de Finanças Públicas da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), realizado em Fortaleza no início de novembro. Ao O POVO, falou do momento político atual.

 

O POVO: O senhor é jornalista, entre muitas coisas. Como o senhor vê esse momento em que há tentativas de deslegitimar o papel do jornalismo e dos veículos de comunicação? Há saída?

 

Clóvis de Barros Filho : Bem, o mundo seguirá o seu fluxo. Quando você pergunta se há saída, talvez você se refira a algum tipo de transformação que você considere boa. Isso eu já não sei. Agora, o jornalista tem, ao meu ver, um papel cada vez mais relevante, porque no momento em que as técnicas permitem que todos relatem a realidade, o papel do jornalista é um papel garantidor de uma certa responsabilidade ética na conversão da realidade em discurso. Portanto, longe de destruir o trabalho do jornalista, acho que pelo contrário: jogará luz sobre aquilo que é insubstituível por quem não tem informação e quem não faz da informação o seu fazer profissional.

 

OP - Sobre ética, tanto nesse fazer jornalístico, mas também de forma mais ampla como valor da sociedade. O que este ano, com toda a profusão de notícias falsas, diz sobre a ética que temos no País?

 

Clóvis - A ética não tem uma sociedade perfeita, nem um modelo perfeito de sociedade. A ética é uma disposição coletiva para o aperfeiçoamento da convivência. Então, de certa maneira, isso significa que a ética requer de todos nós uma preparação e uma disposição para investigar aquilo que é melhor para um grupo, ou seja, para o outro, para além de si mesmo. Talvez, necessitemos buscar soluções legítimas, isto é, aceitas de verdade por todos, pra resolução de conflitos. Que os conflitos existam, isso existirão sempre, porque o mundo é escasso, e as pretensões são contraditórias, conflitantes, excludentes. Mas além do conflito, o que precisamos é a legitimidade dos processos de resolução desses conflitos. Ou seja: se eu ganhei, eu quero ter garantias de que ganhei mesmo, e se eu perdi eu darei todas as garantias pra quem ganhou de que durante o prazo vigente exercerão o poder tal como foi combinado pelas regras do jogo. Então, ´nesse sentido, todos devem lutar pelo fortalecimento das instituições, sejam os que nela trabalham, os seus responsáveis, sejam os que a elas se submeteram. A fragilização das instituições tornará tudo uma guerra de todos contra todos. Uma zona generalizada o que, tenho a impressão, não é do interesse de ninguém.

 

OP - A eleição de Jair Bolsonaro diz respeito a uma ascensão conservadora ao poder. O que isso significa e o que há a aprender com isso?

 

Clóvis - Candidatura, seja do presidente eleito, ou qualquer outra, é sempre uma oferta no mercado político. Uma oferta que poderá ser consumida ou não nas prateleiras do jogo eleitoral. É claro, tendo havido vitória, uma vitória expressiva, isso indica que houve demanda desse discurso, desse tipo de proposta e, porque não, dos valores que lhe dão fundamento. Eu tenho a impressão é que as propostas vitoriosas trouxeram as conversas de sala de jantar de domingo para o espaço público. Em outras palavras, vamos, a partir daí, aprendendo a conhecer melhor o que o brasileiro pensa, de certa maneira. Havia uma certa diversidade de ofertas eleitorais. Portanto, a vitória de umas e o minguamento de outras é indicativo da opinião. Ora, como somos todos democratas, devemos aceitar, estando do lado vitorioso ou derrotado, decisão perfeitamente regida pelo jogo eleitoral e claro e todo um trabalho que será feito, legislativo e executivo, de condução da gestão do País a partir de valores que foram submetidos avaliação popular, naturalmente, com tudo que isso possa desagradar a uns e a outros. Eu insisto: a política não tem nunca a pretensão de agradar a todos, porque isso exigiria um mundo abundante. Não há conflito, por enquanto, a respeito do ar, porque está todo mundo respirando. O ar não é um problema político. Eu dizia a água, mas já dançou a água também. Tirando o ar, o resto é tudo escasso. Ora sendo escasso, evidentemente, haverá disputa.

 

OP - Numa fala recente, o senhor disse que a política não é assunto para profissionais. Ter apartado a política das discussões cotidianas - sobretudo o entendimento de direitos, legislações - pode explicar o momento atual desse país polarizado?

 

Clóvis - Eu penso que eventual divisão do País se deve há muitas causas, inclusive, ao próprio sistema eleitoral. Quando você faz seguidamente uma eleição em dois turnos, os dois votados chegam ao segundo turno, é de se esperar que paulatinamente a sociedade vá se organizando em dois grandes grupos, porque no final das contas haverá uma disputa pelo poder central final. É claro que há também uma que é geográfica, que é histórica, que é sociológica. É complexo, e não dá pra reduzir numa variável só, sob pena de você apequenar o problema.

 

OP - Ainda sobre o momento político e essa polarização. O Brasil vem de alguns anos apartado, e essa divisão se aprofundou ainda mais. O senhor vê possibilidade de reconciliação dessas duas visões de mundo?

 

Clóvis - Não sei, mas vejo a possibilidade de uma legitimação ainda maior dos mecanismos democráticos de identificação do grupo a exercer o poder, e portanto, a aceitação do grupo circunstancialmente derrotado. Se vão todos concordar em torno de uma ideia central, acho pouquíssimo provável. Mas que passem cada vez mais a aceitar as regras do jogo como definitivas para saber quem vai governar, isso eu acho fundamental.

 

OP - O senhor em algumas palestras fala sobre a busca de felicidade. Por que essa discussão é tão pertinente agora?

 

Clóvis - Primeiro, porque as pessoas estão angustiadíssimas, é um momento de tristeza coletiva, de angústia, de muita dificuldade. Portanto, um discurso sobre felicidade ele como que redireciona um pouco os holofotes para vida no seu sentido mais amplo, e alivia um pouco a pressão em cima dessas questões cotidianas mais candentes. De certa maneira, os grupos em disputa, estão os dois interessados, no fim das contas, numa vida um pouco mais feliz. 

 

Livros

 

Clóvis é autor de 21 livros. O mais recente, Shinsetsu: O poder da gentileza, foi lançado em agosto último. A obra traça uma rota filosófica sobre a ética para tratar de questões como humildade e amor, empatia e fraternidade.

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