Entre as recentes declarações de Jair Bolsonaro sobre a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a proposta de empregar filtros nas produções audiovisuais financiadas pelo órgão gerou debates entre realizadores. Afirmou o presidente: "A cultura vem para Brasília e vai ter um filtro, sim. Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos ou extinguiremos. Não pode é dinheiro público ser usado para fazer filme pornográfico".
Diretora do Porto Iracema das Artes, a gestora cultural Bete Jaguaribe defende que as declarações do chefe do Executivo sobre a agência reguladora são "violências sem tamanho". Argumenta: "Em um bom português, isso é censura declarada. Quando se faz um levantamento do que a Ancine fomentou, você tem filmes de todas as visões de mundo — a indústria audiovisual se consolida justamente com a diversidade e a garantia de produção de todas as ordens e gêneros. O cinema no mundo é estratégico, ele é responsável pelas narrativas de um País e pela dimensão simbólica desse território. Acabando a Ancine, toda a produção audiovisual do Brasil está em risco".
"O nome disso é censura", taxa a realizadora audiovisual e sócia-fundadora da produtora cearense Tardo Filmes Ticiana Augusto Lima. "Infelizmente chegamos nesse ponto. O que não surpreende vindo de alguém que defende e sempre defendeu a ditadura militar e seus procedimentos violentos. Mas, mesmo assim, como sempre guardamos alguma esperança de que a barbaridade tenha limites, acaba soando chocante", afirma. Também diretor de cinema, o carioca Eduardo Valente fala em uma "hipertrofia" do papel do Executivo na sociedade. "A ideia de instaurar filtros é uma intervenção a partir de gostos e ideologias", pontua.
Sobre a relação da Ancine com os presidentes brasileiros antecessores, o ex-secretário executivo da agência Maurício Hirata afirma que a relação do órgão com o Executivo sempre foi boa. "Desde a sua fundação, a Ancine sempre foi tratada como órgão do Estado. Estive na Ancine durante o governo Lula, dois governos Dilma e o governo Temer. Em nenhum momento houve uma tentativa de intervenção na agência. Quando eu falo de intervenção, eu falo no sentido administrativo — tentativa de intervenção no processo de decisão de projetos nunca foi nem pensado e nem formulado em nenhum momento. Jamais houve qualquer sinalização de uma intervenção no processo de escolha dos filmes, entendo que isso é um espaço que em um governo democrático não é papel do Estado intervir no tipo de produção que será feita".
Hirata considera o interesse de um presidente da República pelo setor audiovisual positivo quando o Governo entende o papel que a cultura tem no desenvolvimento do País. "A questão é saber se o Bolsonaro vê a Ancine como uma prioridade ou quer efetuar essas mudanças por motivos que não são nobres. A mudança da localização para Brasília ele pode fazer, mas é evidente que agência não é um órgão pequeno: tem mais de 300 servidores estáveis e quase 700 empregados terceirizados e cargos de confiança. São dois prédios no centro do Rio de Janeiro, o deslocamento dessa quantidade de gente para Brasilia é antieconômico. O custo tanto do deslocamento quanto da manutenção desses servidores que prestaram concurso para o Rio de Janeiro e depois terão que receber auxílio-moradia para se instalarem permanentemente em Brasília não justifica qualquer benefício que ele possa ter. O fato de estar em Brasília não torna a incidência de um presidente da República maior sobre um órgão", finaliza. (Bruna Forte)