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"Muitas vezes, pensei em omitir meu bairro"
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"Muitas vezes, pensei em omitir meu bairro"

2 dedos de prosa com Vagner de Alencar
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Tipo Notícia Por
Vagner de Alencar (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Vagner de Alencar

Co-fundador do blog Mural, hoje agência Mural, Vagner de Alencar é um correspondente de Paraisópolis desde 2010. Depois de passar a escrever sobre a vida e sobre personagens da maior favela de São Paulo, organizou uma rede de pessoas falando de suas comunidades pela capital paulista e região metropolitana.

O POVO entrevistou então Vagner para conhecer mais sobre o seu trabalho de levar a todos uma melhor fotografia do que é a vida na periferia, para além da ideia de um local apenas de tráfico e de violência.

O POVO - Você fala de uma visão sempre estereotipada a respeito das favelas. O que as pessoas não veem?

Vagner de Alencar - As pessoas ainda não veem as favelas com a potência que elas têm. Os moradores não são carentes. Aliás, são, mas de políticas públicas, de melhores condições de saúde e educação. As pessoas não veem essas questões serem aprofundadas como precisam ser. É importante abordar a falta de infraestrutura para que o morador possa ter o seu córrego canalizado. E mais ainda: é preciso adentrar - com permissão, é claro - a casa das pessoas para mostrar que, ao contrário da figura do carente e do coitado, elas empreendem, eles sonham, elas têm histórias que precisam e devem ser contadas.

OP - O Vagner de Paraisópolis também era analisado a partir desse olhar parcial? Qual era ou é seu sentimento sobre isso?

Vagner - Sou um baiano que mora em São Paulo há mais de 20 anos. Nunca sofri qualquer tipo de preconceito pelo meu sotaque mantido até hoje ou pelo meu cabelo crespo. O que não é uma realidade de muita gente, evidentemente. Mas senti várias vezes que o CEP, quer dizer, o fato de eu morar na periferia, na maior favela de São Paulo, me restringia, por exemplo, de oportunidades de emprego, seja pela distância ou pelo estigma em torno da periferia. Muitas vezes, pensei em omitir meu bairro. Não dizer Paraisópolis, por exemplo, mas sim Vila Andrade, o distrito. Não deixa de ser um sentimento de impotência, apesar de eu ter lutado, a partir das histórias que contei e do livro Cidade do Paraíso, que escrevi.

OP - Como nasceu a ideia de criar o blog Mural?

Vagner - O blog Mural nasceu a partir de uma formação sobre jornalismo cidadão em 2010. Cerca de 40 jovens se reuniram e, ao lado da Izabela Moi, atualmente codiretora da iniciativa, conseguimos nos tornar correspondentes no blog que nascia dentro do jornal Folha de S.Paulo. Atualmente somos em mais de 80 correspondentes, espalhados por mais de 50 bairros da capital paulista e em 15 cidades da região metropolitana. Há quase nove (anos), publicamos notícias no blog Mural, com total independência editorial.

OP - O que ainda vem pela frente com o projeto?

Vagner - Atualmente produzimos conteúdos para nossos seis canais; alguns com republicação de parte de nossos conteúdos creative commons e outros com parceria comercial, como é o caso do Giro na Quebrada - um quadro produzido pela agência Mural dentro do jornal Bora SP, da TV Bandeirantes. Queremos replicar nosso modelo para as principais capitais brasileiras. Afinal, a gente sabe do "deserto de notícias", ou seja, a ausência de jornais, blogs etc., especialmente em milhares de cidades menores.

OP - Que papel o seu livro Cidade do Paraíso - Há vida na maior favela de São Paulo teve para propagar o mundo real das comunidades?

Vagner - Como já disse a Joseane Silva, uma moradora que se dividia entre a arte e o telemarketing, e pós publicação do livro conseguiu seu próprio atelier, o livro permite há quem não é da favela conhecer os becos e as vielas e a vida cotidiana para além do que está acostumada a ver (pela ótica do tráfico e da violência). E para quem está de dentro, reconhecimento.

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