Ficções científicas são fonte inesgotável de reflexões possíveis sobre passado, presente e futuro. Uma das mais conhecidas se destaca no atual contexto por sua relação direta com o momento temporal no qual vivemos: em Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), dirigido por Ridley Scott, a trama se passa exatamente em novembro de 2019. Entre super robôs iguais a humanos, carros voadores e visão pessimista do porvir, aquele então futuro proposto no longa ora se distancia, ora se aproxima da realidade vivida, de fato, na contemporaneidade.
A trama do longa é inspirada no livro Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, escrito por Philip K. Dick e lançado em 1968. Apesar de ser uma adaptação da obra literária para os cinemas, o filme não se prende à fonte original, utilizando-se somente da base do universo criado pelo autor. Em Blade Runner, acompanhamos Rick Deckard (Harrison Ford), que trabalha caçando replicantes - espécies de androides com aparência extremamente humana, mas dotados de habilidades para além do humano. Estes replicantes, criados por uma grande corporação já com data para sem inativados após poucos anos, eram utilizados em atividades nocivas no lugar dos próprios humanos, especialmente em colônias fora da Terra, mas acabam se rebelando e passam a ser perseguidos. A motivação narrativa do filme é a busca de Deckard por máquinas rebeldes que vieram a Los Angeles para procurar aumentar sua “data de validade”.
“Replicantes são como qualquer outra máquina: um benefício ou um risco”, afirma, a dada altura, o protagonista da trama. Tanto em 1968 - quando da publicação do livro de Philip K. Dick -, quanto em 1982 - no lançamento do filme -, quanto agora, as relações de poder, dominância e dependência entre o humano e a máquina é uma questão que perpassa a evolução tecnológica.
O tema foi abordado mais recentemente em livros, por exemplo, do filósofo sueco Nick Bostrom (Superinteligência: Caminhos, perigos, estratégias) e do professor de política na Universidade de Cambridge David Runciman (Como a democracia chega ao fim). Neste último, o autor reflete: "Nossa dependência dessa tecnologia nos deixa prontos para sermos explorados. Quem vai nos escravizar não serão os robôs assassinos. Bastam indivíduos inescrupulosos capazes de usar as máquinas em seu benefício. Em terra de dependentes da tecnologia, quem navega com esperteza é rei”, afirma assertivo. Runciman traz à discussão os escritos de Gandhi no livro Hind Swaraj or Indian Home Rule, escrito em 1909.
"Gandhi traça um retrato incrivelmente profético da era vindoura, dominada pela Amazon, pelo Uber e pelo HelloFresh”, escreve o professor, citando que o indiano previu um momento no qual “os homens não precisarão mais usar suas mãos e seus pés”, bastando apertar botões para que tenha roupas, notícias, transporte e comida. “Tudo será feito por máquinas”, atestou Gandhi. A visão um tanto próxima da ideia de distopia tem paralelos mais ou menos diretos com a relação que se vê hoje da sociedade com a tecnologia.
“O medo das máquinas reflete-se na relação cotidiana que temos com elas. De panes das telas à perda de controle sobre o que guardamos em arquivos nas nuvens, é real. Não há quem não tema ficar sem controle de sua produção digital”, relaciona Roseli Gimenes, doutora em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenadora do curso de Letras da Universidade Paulista. No filme, as máquinas se colocam contra a humanidade de forma muito direta, corporal, mas é possível fazer comparações mais sutis do que está na ficção com o que vemos na realidade hoje.
Os replicantes, por exemplo, podem ser ligados aos avatares dos perfis de redes sociais - que, assim como os androides de Blade Runner, são como o “próprio” humano em um “outro mundo”. Há ainda, apesar da pretensa superioridade da raça humana, indícios que a subserviência na relação entre ela e as máquinas é, por vezes, uma via de mão dupla. “Enquanto leio posts de amigos, inúmeras mensagens publicitárias vão ditando o que devo consumir. Dada uma única palavra no Google, recebemos um sem número de respostas. Uma angústia se apresenta: quem escreve? Quem dita o caminho?”, reflete Roseli.
2019 ontem e hoje
Ferramentas tecnológicas
Uma das primeiras visões de futuro que "Blade Runner" apresenta são carros voadores. Apesar de serem uma possibilidade eventual, estão longe de ser realidade corrente - assim como a morada fora do planeta Terra. Outro ponto é a identificação por voz, que já se vê. A maior aproximação tecnológica que a obra traz, porém, são as chamadas de vídeo - mesmo que, na época, os smartphones não tenham sido retratados e as conversas remotas aconteçam em espécies de "cabines".
Publicidade datada
Na Los Angeles escura e deserta do longa, chamam a atenção os grandes painéis eletrônicos que funcionam como meio de propaganda para algumas marcas. Uma delas é a companhia aérea Pan Am, considerada uma das maiores dos EUA no século XX. Neste 2019, um anúncio da marca não faz sentido porque ela encerrou as atividades em 1991. Na produção do filme, porém, seria impensado que ela poderia fechar. O tempo provou o contrário.
Replicantes na essência
A ideia dos androides fabricados com extrema semelhança ao ser humano tem alguns paralelos hoje, mas as questões de inteligência artificial e engenharia genética estão distantes do lugar proposto no filme. No entanto, é possível fazer ligação da ideia dos replicantes com as redes sociais - afinal, é por meio de "avatares" que temos nossas personas na Internet.
Outros filmes que se passam em 2019
Tóquio foi destruída completamente em 1988. Em 2019, já totalmente reconstruída e conhecida como Neo Tóquio, a cidade está afetada por protestos, corrupção, terrorismo e gangues violentas. A clássica animação japonesa tem direção de Katsuhiro Ôtomo.
O longa de ação e ficção científica estrelado por Arnold Schwarzenegger é ambientado numa distopia norte-americana na qual um programa de TV coloca criminosos condenados para escaparem vivos de assassinos profissionais. O slogan do filme na época afirmava: “O ano é 2019. Os melhores homens da América não concorrem à presidência. Eles correm por suas vidas”.
Estrelado por Ethan Hawke, o filme mostra um 2019 no qual um vírus transformou a maior parte da população mundial em vampiros. Poucos humanos restaram, o que significa também menos sangue para a nova espécie dominante. Neste contexto, a extinção da humanidade é real.
Com direção de Michael Bay e protagonizado por Scarlett Johansson e Ewan McGregor, o longa é ambientado nos Estados Unidos em um contexto no qual um vírus mortal contaminou praticamente toda a Terra. O único lugar seguro é uma área paradisíaca conhecida como “a ilha”, na qual só conseguem estar pessoas que ganham a oportunidade.
Uma coalizão internacional age encomendando um sistema de satélites de controle climático após uma série de desastres naturais ocorridos em 2019. O problema começa quando o sistema passa a atacar a Terra, o mundo precisa correr para descobrir os motivos e deter os satélites.