É impossível que ele passe despercebido. Seja pelo torcedor comum, que muitas vezes tem o olhar atraído pela gesticulação dele, seja pelo público surdo, que só entende o que é dito porque Crystonberg da Silva Souza está ali. Intérprete de Libras há 13 anos, ele trabalha no Fortaleza Esporte Clube há pouco mais de um. Ele chegou ao Pici em novembro do ano passado e tinha a missão de fazer do Tricolor uma equipe mais acessível. Por meio do trabalho dele, torcedores surdos compraram a ideia e se associaram ao time e até mesmo passaram a frequentar estádio. Ciente do quanto pessoas com deficiência são excluídas da maioria das atividades da sociedade, ele tem orgulho de que o time do coração tenha o escolhido para ser pioneiro em um projeto que sonha ser expandido para todas as equipes de futebol do país.
O POVO - Foi surpresa para você ser procurado por um clube de futebol?
Crystonberg - Não. Era incomum ter intérpretes de libras em times, mas como estávamos no período da inclusão (setembro, outubro e novembro são os meses com mais datas relativas à inclusão). Achei normal, já que o Fortaleza vinha fazendo muitas ações. Após chegar ao clube, percebi que eles queriam de fato trabalhar a acessibilidade e hoje as pessoas surdas têm possibilidade de ir ao estádio e lá ter um intérprete de libras (Crystonberg vai aos jogos e fica com os torcedores surdos antes das coletivas).
OP - Como foi a repercussão imediata?
Crystonberg - Muito positiva, até porque era novidade. Depois que comecei no Fortaleza, pensávamos que os outros times pudessem valorizar a acessibilidade também, mas não fizeram. Como o Fortaleza foi pioneiro, foi algo muito positivo. Inclusive existe um grupo (de WhatsApp) de surdos que tem apenas vídeos em Libras direcionados aos torcedores do Fortaleza. Já tem 66 participantes. A ideia é postar vídeo em libras comunicando, para eles e entre eles, mas tem uma série de regras.
OP- Você já trouxe demandas dos torcedores surdos para o clube?
Crystonberg - Já, sim. Teve surdo que já chegou com camisa de organizada e eu tive que ir lá falar com o policial para fazer a mediação, já teve surdo que deu problema com o sócio-torcedor ou fazer localização de assento e tive que fazer mediação, enfim.
OP - Como você faz quando os jogadores usam gírias, para traduzir?
Crystonberg - Existe isso, são os dialetos. Quando acontece procuro saber antes (o que eles pretendem falar). Algumas vezes pergunto para o jogador, principalmente os de fora (do Estado), como Wellington Paulista e Kieza. Mas não acontece muito não.
OP - Alguém já se sentiu incomodado nas coletivas por você estar ali ao lado gesticulando?
Crystonberg - Não, os jogadores são sempre gente boa, me cumprimentam. Até o próprio Rogério Ceni.
OP - que você pensa sobre os veículos de TV que usam imagem e cortam você?
Crystonberg - (Dá uma) Sensação de falta de inclusão. A gente já relatou isso, já fez campanha e como não está resolvendo, vamos levar para o Ministério Público. Já foi acordado com o pessoal do jurídico. Porque (a tradução) é um direito do surdo.